Av. Estados Unidos da América, Lisboa.
Três imóveis e respectivas decorações murais surrealistas
com interesse patrimonial.
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Av. Estados Unidos da América, Lisboa. |
Foi na Avenida dos Estados Unidos da América, em Lisboa, que surgiu pela primeira vez em Portugal um urbanismo que contrariava o tradicional conceito da rua-corredor, com a implantação de edifícios de dimensões inabituais e dispostos perpendicularmente ao eixo da via de rodagem, tipo de urbanização que logo foi reproduzida em parte da Av. Infante Santo.
Grande número destes edifícios tem a assinatura dos arquitectos que se distinguiram no 1.º Congresso Nacional de Arquitectura (1948), o qual representou uma viragem na reconquista da liberdade de expressão arquitectónica e da "construção multifamiliar em altura" e em grande escala, à revelia da corrente mais conservadora do Estado Novo que se vinha opondo a esta transformação.
A oposição ao surgimento desta nova tipologia arquitectónica ficou a dever-se ao facto de se considerar que as tradicionais construções unifamiliares à "antiga portuguesa", inseridas dentro de uma “ideologia ruralista” e receosa da colectivização habitacional, tinham a vantagem de serem mais adequadas ao recato da vida familiar, contra as “desvantagens sanitárias e morais dos prédios”, como defendia o arquitecto Manuel Vicente Moreira em 1950, num estudo sobre a problemática habitacional.
Esta Avenida foi um marco inovador que viria a alterar os conceitos urbanísticos que nas décadas seguintes influenciaram decisivamente o urbanismo na cidade de Lisboa.
Como consequência do triunfo destas novas ideias, edificaram-se em ambos os lados desta avenida grandes prédios em banda, cada banda com três edifícios independentes mas justapostos.
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Azulejos de padrão. |
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Azulejos de padrão. |
Três destes prédios são presumivelmente os mais antigos e estão situados no quarteirão que fica entre a Av. de Roma e a Av. Rio de Janeiro.
Foram projectados para receberem luz solar e arejamento de todos os lados e para esse efeito foram separados por amplos espaços ajardinados, segundo um projecto do notável arquitecto paisagista David Ribeiro Teles (n. 1922), o qual só foi aplicado ao lado Norte deste novo eixo viário. O lado Sul do mesmo, edificado pouco mais de uma década depois, sucumbiu às pressões especulativas e trocou os ajardinados por baixas edificações destinadas a uso comercial e industrial o que acabou por desvirtuar o projecto inicial de Ribeiro Teles.
Estes três edifícios que supomos serem os iniciais(?) foram edificados por volta do ano de 1959, e neles foi implantado um relevante
conjunto de 6 painéis decorativos de mosaico em pastilhas de vidro que eram então fabricadas na «Covina – Companhia Vidreira Nacional», tendo ainda alguns revestimentos de
azulejos de padrão com formas geometrizadas, os quais foram produzidos na «Fábrica de Cerâmica da Viúva Lamego», a qual ainda conserva as respectivas matrizes em serigrafia, assim como as referências das suas cores originais.
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Mosaico |
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Mosaico |
Este conjunto de edificações encontra-se vandalizada pela praga das marquises que lamentavelmente vem assolando a cidade de Lisboa, assim como pelas diversas pequenas alterações nas fachadas, como a abertura de frestas e janelas onde nunca estiveram previstas, pelos aparelhos de ar condicionado dispostos arbitrariamente, assim como pela passagem de diversas canalizações pelo lado exterior a nível do rés-do-chão para evitar maiores despesas: tudo isto resultado da falta de sensibilidade, de cultura estética e de respeito pelas normas em vigor; o que, a continuar assim, irá transformar esta outrora nobre avenida numa espécie de periferia de uma qualquer capital de um país subdesenvolvido.
Não faz muito tempo, numa reunião de condomínio em que se discutia a necessidade de obras de conservação num destes prédios, um bisonho co-proprietário que obstaculizava as necessárias obras de limpeza das fachadas argumentou que o prédio “era como as mulheres”, pois, tal como elas “não era por se pintarem que viriam a gozar de mais saúde”!… Com este tipo de atitudes cada vez mais frequentes, poderemos imaginar o que o destino reservará a este notável património arquitectónico!...
Alguns azulejos deste conjunto de prédios já foram arrancados em obras recentes; outros foram substituídos por reboco ou por reproduções de má qualidade que não respeitam os tons originais, o que seria muito fácil caso recorressem à fábrica que os produziu.
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Mosaico, assinado «CC» - Carlos Calvet. |
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Assinatura de Carlos Calvet
numa pintura sua. |
Quanto aos
6 grandes painéis decorativos em mosaico (2 por cada conjunto de 3 prédios) que decoram estas fachadas nos topos Norte e Sul, a nível do piso térreo, junto às colunas que sustentam as edificações, são talvez a primeira manifestação da então “subversiva” modernidade a nível das artes plásticas urbanas.
Segundo conseguimos investigar, deve-se a autoria destes 6 painéis a Carlos Calvet (1928-2014), que coloca a sua assinatura «CC» no painel que está junto à entrada do n.º 60 desta avenida, cuja temática revela um sentido visionário de cariz surrealista, por influência, segundo supomos, do seu cunhado o artista plástico António Areal (n. 1934), com o qual colaborava por esta altura.
Estes painéis são uma afirmação da modernidade a nível das artes plásticas que, pela primeira vez (?), nesta proposta “salta” para a rua, a nível do espaço público lisboeta – e talvez de todo o país –, depois de alguns anos confinada apenas ao domínio quase privado de um ou outro salão oficial.
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CARLOS CALVET DA COSTA (1928-2014)
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Carlos Calvet (1928-2014) |
Artista plástico português, Carlos Calvet nasceu em Lisboa em 1928 e aqui veio a falecer em 2014. Licenciou se em Arquitectura na Escola de Belas Artes do Porto. Dedicou-se desde muito cedo à pintura e nos anos 40 constituiu o grupo «Os Surrealistas» juntamente com Mário Cesariny, Pedro Oom, Henrique Risques Pereira, António Maria Lisboa, Mário Henriques Leiria, Fernando José Francisco, Fernando Alves dos Santos e Cruzeiro Seixas.
Além da pintura e da arquitectura, Calvet interessou-se também pelo cinema, tendo realizado algumas curtas-metragens, uma das quais com a participação do poeta surrealista Mário Cesariny. Expôs pela primeira vez, em 1947 na 2ª Exposição Geral de Artes Plásticas na Sociedade Nacional de Belas Artes, obras que começavam a revelar um sentido de modernidade marcado pelo cubismo estético de Braque e valorizando o estatismo dos objectos representados.
Entre 1948 e 1950 faz a sua primeira viagem a Paris. A partir de então, consciente da sua vocação como pintor, Calvet passa a estar mais atento à construção, ao jogo de volumes e à ambiguidade entre o simbolismo e a imagem natural. Nestas ambiguidades revela se a tendência para tudo petrificar. Em algumas paisagens aparecem ondas do mar e nuvens representadas como se fossem sólidos geométricos. Depois de um período abstracto lírico (1963 1964), Calvet confronta as formas espontâneas com as geométricas (1964 1965).
Com a redefinição do espaço, voltou-lhe a necessidade de figuração de objectos inventados no próprio acto de execução. Primeiro, manchas informes que adquiriam presença insólita de objectos inidentificáveis; depois, passaram a ser objectos banais, parafusos, botões, caixas de fósforos, ladeados de decorativismos de gosto pop. O ano de 1966 marca o início da síntese "pop metafísica" que caracteriza toda a sua obra posterior. Realizou exposições nas mais diversas cidades internacionais como Tóquio, Paris, São Paulo, Chicago, Roma, Montreal, Frankfurt ou Madrid.
(Fonte: Carlos Calvet. In Infopédia Porto: Porto Editora, 2003-2011)
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Aqui deixamos esta chamada de atenção à Câmara Municipal de Lisboa para a necessidade da salvaguarda deste conjunto patrimonial (3 imóveis e respectivas decorações murais), pois consideramos ser um monumento inseparável da história do urbanismo e da arte da cidade.
Para este efeito o Município deve tomar as medidas jurídicas e administrativas necessárias ao seu arrolamento e classificação como património municipal, como lhe compete, único meio de evitar a sua degradação pelo decurso do tempo e a incúria dos seus legítimos proprietários, assegurando a obrigatoriedade da sua sobrevivência e conservação, tendo por base a Lei n.º 13/85 de 6 de Julho, e a subsequente Lei n.º 107/2001 de 8 de Setembro, sobre o Património Cultural Português.