Parte 1 - 11 de Fevereiro de 2000
Com grande regularidade temos observado quase todos os anos durante o Verão, altura em que o Museu José Monteiro abre as portas ao público, o desleixo a que sucessivas vereações da Câmara Municipal do Fundão têm votado este espaço museológico.
A sua situação degradada deve-se a diversos factores, entre os quais a falta de recursos e, acima de tudo, a paralisação dos seus responsáveis, incapazes de o gerirem.
Este espaço privilegiado para a afirmação da identidade cultural do concelho não tem, actualmente, uma satisfatória organização técnico-cientifica. As preocupações de catalogação e inventariação são inexistentes. A conservação, investigação e divulgação, que são atribuição deste tipo de instituições, pura e simplesmente não existem por irresponsabilidade da entidade que o tutela. Regra geral, não tem a porta aberta, não cumpre as suas funções, ou funciona à revelia de toda a ética museológica.
Não obedece a condições de ambiente nem a critérios museográficos minimamente aceitáveis. Não tendo quadro de pessoal, encontra-se quase todo o ano encerrado apenas abrindo as suas portas durante os meses de verão, entregue aos cuidados de estudantes que exercem a função de vigilantes – um de cada vez –, aos quais são entregues as chaves da porta, para tomarem conta do “museu”. A estes jovens não é dada qualquer espécie de formação prévia.
É um exemplo acabado da anti-museologia e da incúria e desleixo a que foi votado por sucessivas vereações municipais que tutelaram este espaço, o qual deveria ser um local privilegiado de cultura e de lazer, assim como um contributo válido para o reforço da identidade cultural e local.
O Museu Municipal José Monteiro não é um organismo vivo, nem um centro activo de divulgação cultural, não faz recolha e conservação, não tem um inventário e registo actualizado, não dinamiza acções culturais e educativas. Em resumo: não existe como museu e é, actualmente, um insulto à memória do seu fundador.
Numa das visitas que fizemos ao “museu”, durante este Verão, fomos encontrá-lo num estado deplorável, completamente desprezado e vítima de um desleixo confrangedor. O abandono em que se encontra o seu acervo é de tal maneira grave que ninguém poderá garantir a integridade desta colecção, a qual está completamente à mercê de quem quiser ilicitamente apoderar-se de muitos dos objectos de pequena dimensão que constituem o seu acervo museológico.
Uma das vitrines com três prateleiras repletas de pequenos objectos líticos, não está protegida pelo vidro frontal, porque este se partiu em tempos e nunca foi substituído!...
Para testarmos a vigilância fizemos a experiência de nela metermos a mão para retirarmos machados neolíticos que manipulamos e observamos em pormenor. Tudo isto se passou sem que fossemos chamados à atenção pelo jovem vigilante!… Solicito, ainda respondeu a várias perguntas nossas quando efectuava-mos este teste!…
A responsabilidade pela segurança deste museu não pode ser atribuída a jovens sem a mínima preparação. Os responsáveis autárquicos têm que proporcionar-lhes formação minimamente adequada ao desempenho deste tipo de funções.
Também quisemos verificar a integridade da colecção que ao tempo do Dr. José Monteiro constituía o acervo deste museu municipal, porém sem sucesso, pois as tabelas com as respectivas legendas – insuficientes ou inexistentes – estavam trocadas, não coincidiam com os objectos a que diziam respeito e, em muitos casos, provocavam verdadeiras situações hilariantes. Esta troca das tabelas é, possivelmente, o resultado do protesto anónimo de alguns visitantes que, deste modo, vão expressando o seu desagrado pelo estado em que se encontra o museu.
As vitrines tinham a sua numeração e algumas legendas trocadas: a n.º1 estava trocada com a n.º 3, o que causa a maior confusão a quem pretenda seguir o “Catálogo” do mesmo museu. As legendas dos objectos continham erros grosseiros do género: «16 OBJECTOS HITICOS OU DE BARRO COZIDO», em vez de «16 OBJECTOS LÍTICOS e DE BARRO COZIDO».
Para cúmulo da incúria, encontramos algumas fichas do inventário na maior desordem possível, acondicionadas numa desconjuntada e sebenta caixa de cartão a servir de arquivo, colocada no chão, por debaixo de uma vitrine, à mercê de qualquer vândalo que pretenda levar alguma recordação para casa.
Quanto ao discurso expositivo do pretenso museu, ao qual recebeu incorporações posteriores à saída do seu conservador, está completamente desvirtuado e tem mesmo situações anedóticas, como a de um BOMBO TRADICIONAL DA REGIÃO que acabou “integrado” no NÚCLEO DA ARQUEOLOGIA ROMANA, entre uma «Ara dedicada a Bandivorteaceo» e uma «Pedra Tumular».
Para que seja posto cobro a este lamentável caso museológico, parece-nos necessário a intervenção do Estado, através do IPM - Instituto Português de Museus, pois, as medidas técnicas e orçamentais que é necessário implementar não estão ao alcance do município, quer por falta de recursos financeiros, quer por falta de quadros com competência técnica, ou ainda por falta de apetência cultural dos autarcas a quem foi atribuído este pelouro.
O “barracão das pedras”, como ouvimos a concidadãos nossos depreciativamente referir este “museu”, é, acima de tudo, o símbolo da falta de poder reivindicativo dos seus munícipes.
Apesar deste panorama catastrófico, o MUSEU MUNICIPAL JOSÉ MONTEIRO, encontra-se na sede de um concelho com algum potencial museológico ainda por explorar, do qual as populações, à semelhança do que vai acontecendo noutras regiões, podem tirar alguns benefícios.
Devido às condições constatadas sugere-se à autarquia que mantenha o citado museu encerrado ao público até que sejam criadas condições mínimas para que, em segurança, possa salvaguardar a integridade das colecções que estão sobre a sua tutela, assim como este espaço possa desempenar cabalmente as funções para que foi criado.
João Trigueiros
Parte 2 - 3 de Março de 2000
COMO ULTRAPASSAR ESTE EQUÍVOCO MUSEOLÓGICO
Dos museus autárquicos, conhece-mos dois tipos extremos: os de sucesso e os fracassados. Dos primeiros – os de sucesso – destacam-se algumas notáveis experiências das quais o caso de Mértola é um exemplo a seguir. Este projecto museológico apoiado na arqueologia, metodicamente desenvolvido ao longo dos últimos anos, tornou conhecida além fronteiras esta pequena vila alentejana, contribuindo para o incremento do turismo local. À sua volta criaram-se postos de trabalho que fixaram alguma população, colocando esta localidade nas rotas da museologia europeia.
Do museus fracassados, todos nós conhecemos diversos exemplos. Alguns deles, após a sua fundação, caíram no maior desleixo e são autênticos nado-mortos, devido à falta de recursos, ao desinteresse das populações locais e à inaptidão de quem os tutela.
A ausência de uma política musealógica por parte de várias autarquias, é responsável pela antipatia geral do público pelos museus existentes em diversas localidades. Muitos autarcas não se apercebem que uma política museológica cuidadosamente programada pode ser um elemento importante na estratégia do desenvolvimento regional, como demonstra o caso de Mértola.
Como exemplo da museologia fracassada, temos vários casos paradigmáticos dos quais o actual Museu Municipal do Fundão é o exemplo acabado. O seu estado deve-se à falta de sensibilidade da sua tutela, ou aos interesses inconfessáveis em manter este estado de coisas para se poder continuar a canalizar alguns parcos recursos desta área – cultura – , para outras actividades, muito mais rendíveis em termos eleitorais.
Para a recuperação funcional do Museu Municipal do Fundão é necessário, em nossa opinião, preencher as seguintes condições básicas:
Reinstalação em edifício amplo, a adquirir, adaptado ás novas necessidades. Esta aquisição poderia contribuir para dar nova funcionalidade a um dos vários edifícios e casas solarengas actualmente em estado de semi-abandono na cidade.
Deve o museu criar um quadro mínimo de pessoal e os serviços de apoio necessários: administração, auditório, arquivo, biblioteca, centro de documentação, oficinas, reserva, etc.
O novo espaço museológico terá que ser dotado de salas de exposição permanentes e temporárias, estas últimas dinamizadas com exposições comemorativas, as quais excitam a curiosidade pública à volta do museu, criando um ambiente favorável que conduz às doações ou empréstimos que enriquecem as colecções.
Outra actividade fundamental a desenvolver pelo museu será a cooperação com os estabelecimentos de ensino, no intuito de sensibilizar as gerações mais novas para os valores do património. Não poderá ser esquecida uma secção de informação e propaganda, assim como o estímulo à investigação, de colaboração com instituições universitárias, sem esquecer a promoção de campanhas arqueológicas nos diversos “sítios” e castros já referenciados na área do concelho.
Tudo isto deverá ser integrado num programa museológico muito mais vasto que abarque todo o concelho do Fundão, as suas actividades e profissões em extinção, o seu património edificado e paisagístico, assim como a sua memória colectiva.
Se não formos capazes de preservar a nossa herança cultural, acabaremos por perder a identidade forjada ao longo de muitos séculos. Impõem-se, pois, inverter a situação em que se encontra a política museológica da autarquia fundanense. Para isso é necessário que a população exija daqueles em quem delega o poder autárquico, o cumprimento das suas obrigações, as quais, no caso vertente, passam pela salvaguarda do seu próprio património!
É necessário que os munícipes saibam utilizar a força do seu voto como meio de pressão para impor aos diversos partidos que, nos seus programas eleitorais, apresentem propostas exequíveis para a defesa do património local.
João Trigueiros
Epílogo - 25 de Fevereiro de 2007
Sete anos depois ...
A este equipamento museológico, sob a competente direcção do estimado Dr. João Mendes Rosa, viriam a juntar-se, num curto espaço de tempo, vários outros espaços culturais e museológicos entre os quais destacamos «A Moagem – Cidade do Engenho e das Artes», a «Biblioteca Municipal Eugénio de Andrade», e o «O Palácio do Picadeiro».
Aqui deixamos os nossos sinceros agradecimentos ao autarca Dr. Manuel Frexes e a toda a sua equipa que colocou os seus esforços na meritória acção de nos resgatar da condição de “cafres culturais” a que fomos votados nas últimas décadas …
Bem-hajam
Dez anos depois - 10 de Dezembro de 2010
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