2011-11-26

Património edificado em Lisboa

Av. Estados Unidos da América, Lisboa.
Três imóveis e respectivas decorações murais surrealistas
com interesse patrimonial.


Av. Estados Unidos da América, Lisboa.

     Foi na Avenida dos Estados Unidos da América, em Lisboa, que surgiu pela primeira vez em Portugal um urbanismo que contrariava o tradicional conceito da rua-corredor, com a implantação de edifícios de dimensões inabituais e dispostos perpendicularmente ao eixo da via de rodagem, tipo de urbanização que logo foi reproduzida em parte da Av. Infante Santo.

  Grande número destes edifícios tem a assinatura dos arquitectos que se distinguiram no 1.º Congresso Nacional de Arquitectura (1948), o qual representou uma viragem na reconquista da liberdade de expressão arquitectónica e da "construção multifamiliar em altura" e em grande escala, à revelia da corrente mais conservadora do Estado Novo que se vinha opondo a esta transformação.

  A oposição ao surgimento desta nova tipologia arquitectónica ficou a dever-se ao facto de se considerar que as tradicionais construções unifamiliares à "antiga portuguesa", inseridas dentro de uma “ideologia ruralista” e receosa da colectivização habitacional, tinham a vantagem de serem mais adequadas ao recato da vida familiar, contra as “desvantagens sanitárias e morais dos prédios”, como defendia o arquitecto Manuel Vicente Moreira em 1950, num estudo sobre a problemática habitacional.

  Esta Avenida foi um marco inovador que viria a alterar os conceitos urbanísticos que nas décadas seguintes influenciaram decisivamente o urbanismo na cidade de Lisboa.

  Como consequência do triunfo destas novas ideias, edificaram-se em ambos os lados desta avenida grandes prédios em banda, cada banda com três edifícios independentes mas justapostos.

Azulejos de padrão.
Azulejos de padrão.














   Três destes prédios são presumivelmente os mais antigos e estão situados no quarteirão que fica entre a Av. de Roma e a Av. Rio de Janeiro.
   Foram projectados para receberem luz solar e arejamento de todos os lados e para esse efeito foram separados por amplos espaços ajardinados, segundo um projecto do notável arquitecto paisagista David Ribeiro Teles (n. 1922), o qual só foi aplicado ao lado Norte deste novo eixo viário. O lado Sul do mesmo, edificado pouco mais de uma década depois, sucumbiu às pressões especulativas e trocou os ajardinados por baixas edificações destinadas a uso comercial e industrial o que acabou por desvirtuar o projecto inicial de Ribeiro Teles.
   Estes três edifícios que supomos serem os iniciais(?) foram edificados por volta do ano de 1959, e neles foi implantado um relevante conjunto de 6 painéis decorativos de mosaico em pastilhas de vidro que eram então fabricadas na «Covina – Companhia Vidreira Nacional», tendo ainda alguns revestimentos de azulejos de padrão com formas geometrizadas, os quais foram produzidos na «Fábrica de Cerâmica da Viúva Lamego», a qual ainda conserva as respectivas matrizes em serigrafia, assim como as referências das suas cores originais.

Mosaico
Mosaico












Mosaico
Mosaico










Mosaico
Mosaico












 Este conjunto de edificações encontra-se vandalizada pela praga das marquises que lamentavelmente vem assolando a cidade de Lisboa, assim como pelas diversas pequenas alterações nas fachadas, como a abertura de frestas e janelas onde nunca estiveram previstas, pelos aparelhos de ar condicionado dispostos arbitrariamente, assim como pela passagem de diversas canalizações pelo lado exterior a nível do rés-do-chão para evitar maiores despesas: tudo isto resultado da falta de sensibilidade, de cultura estética e de respeito pelas normas em vigor; o que, a continuar assim, irá transformar esta outrora nobre avenida numa espécie de periferia de uma qualquer capital de um país subdesenvolvido.

  Não faz muito tempo, numa reunião de condomínio em que se discutia a necessidade de obras de conservação num destes prédios, um bisonho co-proprietário que obstaculizava as necessárias obras de limpeza das fachadas argumentou que o prédio “era como as mulheres”, pois, tal como elas “não era por se pintarem que viriam a gozar de mais saúde”!… Com este tipo de atitudes cada vez mais frequentes, poderemos imaginar o que o destino reservará a este notável património arquitectónico!...

  Alguns azulejos deste conjunto de prédios já foram arrancados em obras recentes; outros foram substituídos por reboco ou por reproduções de má qualidade que não respeitam os tons originais, o que seria muito fácil caso recorressem à fábrica que os produziu.

Mosaico, assinado
«CC» - Carlos Calvet.
Assinatura de Carlos Calvet
numa pintura sua.








   Quanto aos 6 grandes painéis decorativos em mosaico (2 por cada conjunto de 3 prédios) que decoram estas fachadas nos topos Norte e Sul, a nível do piso térreo, junto às colunas que sustentam as edificações, são talvez a primeira manifestação da então “subversiva” modernidade a nível das artes plásticas urbanas.

  Segundo conseguimos investigar, deve-se a autoria destes 6 painéis a Carlos Calvet (1928-2014), que coloca a sua assinatura «CC» no painel que está junto à entrada do n.º 60 desta avenida, cuja temática revela um sentido visionário de cariz surrealista, por influência, segundo supomos, do seu cunhado o artista plástico António Areal (n. 1934), com o qual colaborava por esta altura.
  
  Estes painéis são uma afirmação da modernidade a nível das artes plásticas que, pela primeira vez (?), nesta proposta “salta” para a rua, a nível do espaço público lisboeta – e talvez de todo o país –, depois de alguns anos confinada apenas ao domínio quase privado de um ou outro salão oficial.


CARLOS CALVET DA COSTA (1928-2014)

 
Carlos Calvet (1928-2014)
Artista plástico português, Carlos Calvet nasceu em Lisboa em 1928 e aqui veio a falecer em 2014. Licenciou se em Arquitectura na Escola de Belas Artes do Porto. Dedicou-se desde muito cedo à pintura e nos anos 40 constituiu o grupo «Os Surrealistas» juntamente com Mário Cesariny, Pedro Oom, Henrique Risques Pereira, António Maria Lisboa, Mário Henriques Leiria, Fernando José Francisco, Fernando Alves dos Santos e Cruzeiro Seixas.


  Além da pintura e da arquitectura, Calvet interessou-se também pelo cinema, tendo realizado algumas curtas-metragens, uma das quais com a participação do poeta surrealista Mário Cesariny. Expôs pela primeira vez, em 1947 na 2ª Exposição Geral de Artes Plásticas na Sociedade Nacional de Belas Artes, obras que começavam a revelar um sentido de modernidade marcado pelo cubismo estético de Braque e valorizando o estatismo dos objectos representados.
  Entre 1948 e 1950 faz a sua primeira viagem a Paris. A partir de então, consciente da sua vocação como pintor, Calvet passa a estar mais atento à construção, ao jogo de volumes e à ambiguidade entre o simbolismo e a imagem natural. Nestas ambiguidades revela se a tendência para tudo petrificar. Em algumas paisagens aparecem ondas do mar e nuvens representadas como se fossem sólidos geométricos. Depois de um período abstracto lírico (1963 1964), Calvet confronta as formas espontâneas com as geométricas (1964 1965).

Com a redefinição do espaço, voltou-lhe a necessidade de figuração de objectos inventados no próprio acto de execução. Primeiro, manchas informes que adquiriam presença insólita de objectos inidentificáveis; depois, passaram a ser objectos banais, parafusos, botões, caixas de fósforos, ladeados de decorativismos de gosto pop. O ano de 1966 marca o início da síntese "pop metafísica" que caracteriza toda a sua obra posterior. Realizou exposições nas mais diversas cidades internacionais como Tóquio, Paris, São Paulo, Chicago, Roma, Montreal, Frankfurt ou Madrid.
(Fonte: Carlos Calvet. In Infopédia Porto: Porto Editora, 2003-2011)


  Aqui deixamos esta chamada de atenção à Câmara Municipal de Lisboa para a necessidade da salvaguarda deste conjunto patrimonial (3 imóveis e respectivas decorações murais), pois consideramos ser um monumento inseparável da história do urbanismo e da arte da cidade.

  Para este efeito o Município deve tomar as medidas jurídicas e administrativas necessárias ao seu arrolamento e classificação como património municipal, como lhe compete, único meio de evitar a sua degradação pelo decurso do tempo e a incúria dos seus legítimos proprietários, assegurando a obrigatoriedade da sua sobrevivência e conservação, tendo por base a Lei n.º 13/85 de 6 de Julho, e a subsequente Lei n.º 107/2001 de 8 de Setembro, sobre o Património Cultural Português.

2011-09-01

NICOLAS FLAMEL (f. 1418) - Alquimista


O mais enigmático alquimista parisiense
do Séc. XIV

Nicolas Flamel (f. 1418)
Estampa feita a partir da existente nos
Archives Municipales de Pontoise, Séc. XVII

    NICOLAS FLAMEL (1330?, Pontoise - 1418, Paris), nasceu em Pontoise entre 1330 e 1340. Após a morte de seus pais foi viver para Paris e aí trabalhou como escrivão público, copista e livreiro da universidade, tendo acumulado uma grande fortuna devido ao êxito na gestão dos seus negócios, segundo alguns dos seus biógrafos; ou por ter descoberto a Pedra Filosofal que lhe permitia transmutar metais em ouro, segundo outros.
Edição moderna de
«Le Livre des figures
 hiéroglyphiques», 1612.

    Vários estudiosos e ocultistas posteriores atribuíram à sua autoria diversos tratados alqumicos muito antigos que terão ficado manuscritos até bastante tarde, o mais célebre dos quais foi «Le Livre des figures hiéroglyphiques» publicado em 1612, no qual o seu autor conta como se tornou muito feliz ao adquirir em 1357 um antiquíssimo manuscrito de Abraham “o Judeu”, o qual continha diversos textos e enigmáticos desenhos alegóricos que ele passou a decifrar e eram uma espécie de cabala e alquimia. Este livro relatava os processos da Grande Obra, sem contudo revelar qual era a matéria-prima.

Alquimista
  São-lhe ainda atribuídos «O Livro das Figuras Hieroglíficas» (1399), «O Sumário Filosófico» (1409), e o «Saltério Químico» (1414), entre outros. Alguns destes manuscritos estão conservados na Bibliotèque National (referências: fr. 19075, e fr. 14765), e na Bibliothèque de l’Arsenal (referências: n.º 2518, e n.º 3047).

   Por volta de 1364 casou com uma abastada viúva de nome DAME PERNELLE (?-1397), falecida em 1397. Este matrimónio deu-lhe a possibilidade de se dedicar à alquimia a partir de 1380, conseguindo a fazer a transmutação alquímica alguns anos depois, segundo os seus biógrafos.

Saint-Jacques-de--la-
-Boucherie (demolida)
  Flamel viria a falecer a 22-III-1418, após ter feito um testamento com numerosas doações pias e foi sepultado Igreja de Saint-Jacques-de-la-Boucherie, sob uma pedra tumular contendo enigmáticas gravuras e uma inscrição que ele próprio mandou fazer, a qual estava colocada junto a um pilar com uma imagem da Virgem. Esta igreja foi destruída após a revolução, por volta de 1797, tendo apenas sobrado a torre sineira. A pedra tumular foi parar às mãos de um vendedor de frutas e legumes que a utilizava como balcão de mercado para expor os seus produtos, local de onde foi resgatada por um antiquário parisiense em 1839 para ser depositada no Musée de Cluny onde se encontra actualmente exposta.
  
Torre de Saint-Jacques (1865)
    Após a sua morte, com mais de 80 anos, a sua casa foi saqueada por gente ávida por encontrar a pedra filosofal ou pelo método da sua obtenção. Segundo a lenda, Flamel e Perrenelle não morreram e nas suas tumbas foram encontradas apenas as suas roupas em lugar de seus corpos. Eles teriam vivido graças ao elixir da longa vida que Flamel também teria fabricado.

   Os avultados bens deste casal eram constituídos por muitos terrenos e prédios urbanos de rendimento, nos quais foram investindo o seu dinheiro, do qual também gastaram avultadas somas na construção e reparação de hospitais, igrejas, casas para indigentes, e cemitérios, assim como no embelezamento de diversos monumentos religiosos.

     Durante a sua vida já se sabia que a sua fortuna era considerável, mas, aquando da sua morte, o espanto foi geral ao saber-se pelo testamento a sua verdadeira grandeza.

Portal de Saint-Jacques-de-la-Boucherie
(gravura)
    Nicolas Flamel revestiu de hieróglifos as diversas edificações que levantou em vários locais de Paris.
   O Abbe Vilain, sacerdote de Saint-Jacques-de-la-Boucherie (1758), informa-nos que o pequeno portal desta igreja foi mandado executar em 1389 por Flamel que o cobriu de enigmáticas figuras.. «No umbral ocidental do portal, vê-se um pequeno anjo esculpido que tem nas mãos um círculo de pedra, no qual Flamel mandou encravar um disco de mármore negro com um filete de ouro fino em forma de cruz …» (Histoire critique de Nicolas Flanel. Paris, Desprez, 1761)O doador Flamel e sua mulher estão representados ajoelhados.

    Os pobres de Paris ficaram a dever à sua generosidade duas casas que edificou na Rue du Cimitiére de Saint Nicolas-de-Champs: a primeira em 1407, a outra em 1410. Estes imóveis apresentavam, segundo relatos posteriores, «grande quantidade de figuras gravadas nas pedras, com um «N» e um «F» góticos de cada lado».
    A capela do Hospital Saint-Gervais, reconstruída a expensas suas, nada tinha que invejar às outras construções. «A fachada e o portal da nova capela, escreve Albert Poisson , eram cobertas de figuras e de legendas à maneira usual de Flanel». 

  O portal de Sainte-Geneviève-des-Ardents, situada na Rue de la Tixerandrie, conservou o seu interessante simbolismo até meados do século XVIII, época em que foi transformada em casa e os ornamentos destruídos.

Cimitiére des Saint-Innocents
(desaparecido)
  Flamel levantou ainda duas arcadas decorativas com figuras hieroglíficas no Cimitiére des Saint-Innocents: a primeira em 1389; e a segunda em 1407. Poisson diz-nos que na primeira delas se via entre outras placas hieroglíficas, um escudo que o Adepto «parece ter imitado de outro atribuído a S. Tomás de Aquino». O célebre ocultista acrescenta que ele figura no final da «Armonie Chymique» de Lagneau. Eis, aliás, a descrição que dele nos oferece: «O escudo está dividido em quatro por uma cruz; esta tem no meio uma coroa de espinhos em quatro por uma cruz; esta tem ao meio uma coroa de espinhos encerrando, no centro, um coração sangrando de onde se eleva uma cana. Num dos quadrantes vê-se IEVE em caracteres hebraicos, no meio de uma profusão de raios luminosos, por baixo de uma nuvem negra; no segundo quadrante, uma coroa; no terceiro, a terra está coberta por uma ampla seara, e o quarto é ocupado por globos de fogo».
Arca decorativa mandada fazer por
Flamel no Cemitério dos Inocentes
com a representação dos doadores
(gravura)
     Esta relação, de acordo com a gravura de Lagneau, permite-nos concluir que este fez copiar a sua imagem da arcada do Charnier. Não há nisso nada de impossível, visto que, de quatro placas, restavam três no tempo de Gohorry (1572?) e a «Harmonie Chymique» foi publicada em 1601 por Claude Morel

Arcadas do Cemitério
dos Inocentes.
    Este interesse por edificar portais de igrejas deve-se ao facto de aí poder gravar na pedra o seu retrato como doador, assim como, através dos hieróglifos que neles mandou inscrever, transmitir alguns conhecimentos (segredos) alquímicos à posteridade.

   Segundo alguns autores, a sua fortuna ficou a dever-se ao seu interesse pela aquisição imobiliária em mau estado de conservação, a qual posteriormente valorizava com obras de beneficiação e alugava. Segundo outros, o seu enriquecimento deve-se à Alquimia que praticou e "publicitou” em subtis hieróglifos com os quais foi decorando as paredes das sua propriedades hoje desaparecidas, à excepção da sua última casa que ainda subsiste no 51 da rue de Montmorency, a qual é uma das mais antigas edificações de Paris.


A Casa de NICOLAS FLAMEL
 (Rue de Montemorency, Paris)
Laboratório alquímico com o respectivo
Athanor.
  No n. º 51 da Rue Montmorency, perto da esquina da Saint-Martin-Larue, onde Flamel possuía diversas casas, situa-se uma das mais antigas habitações de Paris que é conhecida como a "Casa de Nicolas Flamel" (1407). Constituída pelo piso térreo com uma fachada que ostenta três portas e duas janelas, assim como mais quatro pisos, cada um deles com duas janelas rectangulares. Sob a casa há adegas abobadadas (o presumível laboratório alquímico com o respectivo Athanor?), e nas traseiras um quintal.

Paris, Casa de Nicolas Flamel.




Paris, Casa de Nicolas Flamel (piso térreo).



  Actualmente só conserva a fachada do piso térreo num estado próximo do original. Os dois últimos pisos superiores foram muito alterados face a uma gravura antiga na qual se vêm duas altas chaminés laterais, tendo as escadas interiores sido mudadas de posição. Está decorada, na fachada do andar térreo, com uma série de gravuras e inscrições que um criterioso restauro trouxe à luz do dia. Sabemos, segundo relatos existentes, que desapareceu um painel de pedra esculpida no primeiro piso, o qual foi substituído em 1900 por uma inscrição destinada a recordar o fundador Nicolas Flanel. O piso térreo, muito modificado no seu interior, actualmente abriga um pequeno restaurante.

Casa de N. Flamel, Placa de 1900.
Paris, Casa de N. Flamel (piso térreo).





   Estas inscrições e hieróglifos, raros de encontrar em casas da Idade Média, despertam para a sua decifração o interesse dos ocultistas e alquimistas posteriores, os quais as interpretaram como subtis alusões à Grande Obra Alquímica de que Flamel e sua mulher Perenelle seriam Adeptos.

  Por disposição testamentária, após a sua morte em 1418, esta casa foi legada à paróquia de Saint-Jacques com o objectivo de ser transformada em asilo para os pobres, finalidade esta que nunca foi cumprida.


Casa de N. Flamel (Séc. XVIII)

Casa de N. Flamel,  figuras hieroglíficas.





Casa de N. Flamel, figuras hieroglíficas.













Casa de N. Flamel,
figuras hieroglíficas
.
(com um «P» de Pernelle)
Casa de N. Flamel,
figuras hieroglíficas
.
(com um «N» de Nicolas)












Casa de N. Flamel,
figuras hieroglíficas.
Casa de N. Flamel,figuras hieroglíficas.







A Tumba de NICOLAS FLAMEL
Pedra sepulcral de N. Flanel,
actualmente no Musée de Cluny.
  A enigmática pedra sepulcral, feita por ordem do seu destinatário ainda em vida, tinha por objectivo perpetuar a sua memória. Porém o destino traíu-o, pois, a Igreja de Saint-Jacques-de-la-Boucherie onde se encontrava e da qual Flamel foi o maior doador, tanto em vida como por disposições testamentárias, acabou por ficar em mau estado de conservação e foi destruída após a revolução francesa. A pedra tumular andou muito tempo perdida, até que em 1839 foi resgatada para o Musée de Cluny, onde se encontra.

  Esta pedra tem na parte superior uma janela onde se vê um enigmático conjunto de três personagens em busto, cada uma coroada por uma auréola e, entre elas figura o Sol Radiante e a Lua. Uma dos objectivos da alquimia é o chamado casamento alquímico entre Sol (ouro) e Lua (prata), símbolos da eterna dualidade que possibilita a criação e a vida.
A figura central ostenta na sua mão esquerda um globo crucífero que, aparentemente, tem um duplo significado: símbolo do mundo, numa leitura simplificada, ou a nível espagírico e esotérico simboliza o antimónio (alquímico), correspondente à penúltima etapa em busca da pedra filosofal (ouro alquímico).
Pedra sepulcral de N. Flanel.
(inscrição)

  À direita da figura central, um homem transporta uma chave, o que pode simbolizar São Pedro, ou a outro nível simbólico mais oculto símboliza a fidelidade e a discrição do Adepto da arte alquímica, abrindo caminho para o conhecimento.
  À sua esquerda outro homem tem na mão uma espada e representa Saint Jacques o patrono da igreja onde foi enterrado Flanele, santo este que era considerado o sucessor cristão de Hermes Trismegistus (três vezes grande) para os alquimistas medievais.

  O Saint Jacques da devoção de Flamel nada mais era do que São Tiago Maior sepultado em Santiago de Compostela (Campus Stella - Lucal de Luzes), pelo qual os alquimistas e místicos medievais tinham grande devoção. Estes demandavam o túmulo do apóstolo fazendo inúmeras paragens durante o trajecto, procurando a sabedoria guardada nos mosteiros que eram fonte inestimável de acesso e troca de conhecimento, por via do misticismo judaico e árabe que sobrevivia na Espanha daquela época.

 É este o simbolismo oculto que escapa das inúmeras gravações alegóricas feitas ás ordens de Flanelle, quer nas obras em pedra que mandou executar, quer nas gravuras manuscritas que ele próprio fez ou copiou de outros textos mais antigos, que segundo os adeptos da alquimia nos permitem penetrar nos mistério da Grande Obra.

  Este tipo de mensagens ocultas também ficaram perpetuadas nos inúmeros baixos-relevos que decoram a Catedral-de-Notre-Dame-de-Paris, os quais não cabe aqui explanar. Este modo velado de transmitir conhecimentos tem por fim a sua divulgação apenas aos adeptos interessados (só eles podem levantar este véu), ocultando do público em geral um segredo que, se divulgado abertamente, iria perturbar a harmonia de qualquer sociedade...

  Aqui deixamos esta história medieval para avaliação do leitor amigo, sem querermos fazer julgamentos, pois, da história e da riqueza dos povos também fazem parte estes mitos…


A ALQUIMIA
A Alquimia,  baixo-relevo do grande pórtico
 de Notre Dame de Paris.
  O alquimista não procura novos fenómenos, ao contrário da ciência moderna, mas antes tenta reencontrar um antigo segredo que é inacessível para a maioria.
    Ela não procura apenas a transmutação de qualquer metal em ouro, mas acima de tudo uma maneira diferente de ver o mundo. Não separa o material do espiritual, pois na realidade tudo é uma coisa só, uma unidade, o ser humano. A transmutação da matéria e do espírito, na alquimia, ocorrem ao mesmo tempo.
   A figura sentada numa cadeira, tem numa das mãos os livros da sabedoria, na outra o ceptro e apoiada no seu peito a escada que, tal como a escada de Jacob, permitirá chegar à esfera do conhecimento divino.