René Guenon (1886-1951)



René Guenon (1886-1951)


RENÉ GUÉNON (Blois, 15-XI-1886 — Cairo, 7-I-1951) foi um metafísico e crítico social francês.
Filósofo anti-moderno, com vasta obra publicada, defensor da metafísica pura, do espírito superior e da harmonia do homem com a sua natureza, fez da sua vida uma batalha contra a desordem sistematizada que se move num contínuo crescente. No seu pensamento esta desordem tem origem no Renascimento e potencia-se com René Descartes, durante o século XVII, por ter introduzido o racionalismo e o mecanicismo na filosofia, a qual a partir deste se designará por Filosofia Moderna. A física mecanicista é perniciosa uma vez que esta só pode dar conta da aparência exterior das coisas e é incapaz de explicar as suas essências, não nos dando o conhecimento efectivo. Guénon contraporá ao mecanicismo o animismo que é o seu oposto.
O modernismo revolta René Guénon, levando-o a destacar as suas principais características, que são muitas, a saber:
tendência para reduzir tudo ao ponto de vista quantitativo;
abandono da distinção qualitativa;
individualismo;
redução do superior ao inferior;
materialismo;
mecanicismo;
tendência para a simplificação abusiva;
esforços para reduzir tudo à uniformidade;
pretensa igualdade;
sacrifício da qualidade;
acentuação da separatividade (desunião);
tendência para a vulgarização;
o ódio à superioridade e ao secreto;
igualitarismo;
racionalismo;
física mecanicista;
uniformização;
a vida vulgar;
elogio cartesiano do «bom senso» ou «senso comum»;
humanismo;
o utilitário pragmatismo onde a utilidade substitui a verdade;
progressismo;
tendência para a dissolução;
materialização do supra-sensível;
hegemonia do profano e a ridicularização do sagrado;
o ocultismo e o espiritismo;
viver apressadamente;
a psicanálise;
propagação de predições;
falsa espiritualidade.
Todas estas características modernas são sinais precursores do final de um ciclo. Para Guénon há dois princípios universais responsáveis por toda e qualquer manifestação, são eles a «essência» (forma, acto, qualidade) e a «substância» (matéria, potência, quantidade).
A modernidade está condenada à partida porque elimina uma parte do real, reduzindo tudo à matéria só restará o caminho para o caos, uma vez que desprezando o elemento qualitativo, essência, disparará a mediocridade em todos os domínios cujo fim será a degenerescência.

Na sua teoria do conhecimento, que é a teoria tradicionalista, o conhecimento parte dos princípios, enquanto o conhecimento dos modernos resulta de constatações experimentais, da observação de factos. Este empirismo moderno não merece credibilidade porque está longe de ser integral, logo submetido ao erro. O pensamento tradicional na mente brilhante de René Guénon é definido da seguinte forma: “Chamamos pensamento tradicional a toda a forma de inteligência do mundo que, baseando-se numa particular tradição religiosa ou na convicção fundamentada da unidade essencial que interliga todas as tradições desse tipo, proponha uma leitura do sentido do homem e do universo e uma interpretação dos nossos tempos, assente nas noções de hierarquia de valores, de ordem, de oposição do sagrado e do profano e de uma tendencial divinização como destino final da Humanidade”.
No seu entender o materialismo serviu para impedir o homem de ter acesso às possibilidades de ordem superior, mas a grande destruição virá pelas forças inferiores, subversivas, que usarão o neo-espiritualismo, através da bruxaria e da adivinhação, do espiritismo e da necromancia. Paralelamente, no grau da decadência, René Guénon não poupa críticas à filosofia do judeu Henri Bergson, que considera um bom representante do espírito moderno acusando-o de ter uma filosofia individualista e de ignorar a ordem supra-individual, por pôr a moral de lado, acusando-o ainda de através do seu intuicionismo apelar ao subconsciente para despertar os elementos psíquicos mais baixos do ser humano, invocando uma intuição unicamente de ordem sensitiva misturada com forças obscuras do instinto e do sentimento, desprezando a intuição intelectual.
Guénon deixa um aviso sobre aqueles que seguem a concepção bergsoniana “aquilo que eles tomam por uma plenitude de «vida» não é efectivamente mais do que o reino da morte e da dissolução sem regresso”. Para o genial filósofo tradicionalista francês o mundo materialista e profano no qual vivemos caminha em direcção à sua dissolução, quando o reino da quantidade atingir o seu extremo, assegurando que o fim do ciclo tenebroso está próximo. "Não existe nenhum autor na Europa contemporânea mais importante do que René Guénon, cuja tarefa tem sido expor a tradição metafísica universal que sempre foi o fundamento essencial de todas as culturas anteriores, e que representa a base indispensável para qualquer civilização digna desse nome." (Citado em Roger Lipsey: «Coomaraswamy, His Life and Work». Princeton University Press, 1977, p.170).

Em 1909 funda a revista «A Gnose», onde aparecerão seu primeiro escrito, intitulado O Demiurgo, artigos sobre Masonería e, o que é mais importante assim que que demonstra como as doutrinas orientais já tinham sido completamente assimiladas por ele nesta época (contava então 23-24 anos), as primeiras redacções de O Simbolismo da Cruz, O Homem e seu devir segundo o Vêdânta e Os princípios do cálculo infinitesimal. A fins de 1910 conhece John Gustaf Agelii, pintor sueco, tornado muçulmano com o nome de Abdul-Hadi cerca de 1897, e vinculado ao Tasawwuf (esoterismo islâmico) pelo Sheikh Abder-Rahmân Elish o Kebir. A revista A Gnose deixa de publicar-se em fevereiro de 1912. A 11 de Julho do mesmo ano René Guénon casa-se em Blois com a Srta. Berthe Loury e, sempre neste mesmo ano, entra no Islão.

Aos anos 1913-1914 remonta-se seu encontro com um indiano, o Swami Narad Mani, que lhe entrega uma documentação sobre a «Sociedade Teosófica» que servir-lhe-há provavelmente, em parte, para a redacção do estudo sobre a organização em questão. Entre os anos 1915 a 1919 é suplente no colégio de Saint-Germain-em-Laye, reside em Blois (onde morre sua mãe em 1917) e é professor de filosofia em Sétif (Argélia). Retorna a Blois e depois a Paris.

Em 1924 (e até 1929) dá lições de filosofia no curso Saint-Louis; neste ano tem lugar uma conferência de imprensa na qual participa junto a Ferdinand Ossendowski (polaco, autor de uma crónica de viagem através de Mongolia e o Tibet), Gonzague Truc, René Grousset, e Jacques Maritain. Também em 1924 aparece a obra Oriente e Occidente.

No ano 1925 vê sua colaboração com a revista católica Regnabit, dirigida pelo R. P. Anizan, que lhe tinha sido apresentado pelo arqueólogo Louis Charbonneau Lassay, de Loudun (a colaboração com esta revista cessará cedo, em 1927).

O 15 de Janeiro de 1928 falece sua esposa. Neste mesmo ano começa sua colaboração regular com a revista Lhe voile d’Isis, a que desde 1933 tomará o título de Études Traditionelles.

Em 1930 parte para o Cairo, onde estabelecer-se-há definitivamente, desposando em 1934 à filha do Sheikh Mohammed Ibrahim, com a que teve quatro filhos (dois varões e duas meninas), um deles póstumo. O resto de sua obra de clarificación doctrinal foi composta no período de seu estadía no Egipto]], período que vai de 1930 a 1951, ano no que morre, no dia 7 de janeiro.

A sua obra escrita pode-se dividir em vários blocos temáticos:
• exposição de doutrinas orientais e princípios metafísicos: aqui encontram-se obras como Introdução Geral ao estudo das Doutrinas Indianas (a sua primeira obra escrita que é uma introdução à Tradição em general), Os estados múltiplos do Ser ou Princípios do cálculo infinitesimal;
• estudos sobre simbolismo e sua interpretação ortodoxa tradicional, onde se enquadram os numerosos artigos escritos para a revista O velo de Isis que posteriormente passaria a se chamar Revista de Estudos Tradicionais. Estes artigos foram compilados por Michel Vâlsan na obra póstuma Símbolos fundamentais da Ciência Sagrada e em A Grande Tríada;
• ensaios relativos à Tradição Primordial, a Iniciación e as sociedades iniciais tanto actuais (Maçonaría) como históricas: O Rei do Mundo;
• reflexões críticas sobre o mundo moderno e a sociedade ocidental.
Contra o que poderia parecer René Guénon esteve muito preocupado pelo mundo presente.

Partindo de uma forte crítica à sociedade ocidental podem distinguir-se três etapas cronológicas em sua tomada de postura com respeito à questão, etapas que se correspondem por sua vez com as três obras em que aborda principalmente o problema da modernidade:
1. Oriente e Occidente é a primeira delas, onde aborda a falta de entendimento entre esses dois mundos que denominamos Oriente e Occidente, condenados a entenderem-se caso não queiram aniquilar-se reciprocamente e perecer. René Guénon defende uma saída inevitavelmente dialogada a esta tradicional oposição como via para conseguir o entendimento entre as diferentes culturas.
2. A Crise do Mundo Moderno, à luz dos acontecimentos que se sucediam no período de entre-guerras René Guénon vê enfatizado o seu optimismo, mas não abandona a ideia de que o entendimento entre ambos e a rectificação em vista a um regresso à normalidade de Ocidente, são possíveis. A sua análise sustenta-se na confiança de preservação (em certa medida) do Espírito Tradicional no extremo Oriente, em particular nas culturas chinesa e índia.
3. O Reino da Quantidade e os Signos dos Tempos. Sem dúvida seu maior, mais completa, ambiciosa e acabada obra. Seu anterior optimismo e confiança dão lugar a uma análise mais dura e fria no que domina o pessimismo e quiçá o verdadeiro desapego pelo destino da civilização humana actual. Efectivamente, a Guerra Mundial não deixa lugar para a esperança nem o optimismo. Nesta obra René Guénon analisa a civilização ocidental partindo dos princípios gerais do Vedânta e situando-a dentro do marco das Quatro Idades (Yugas) que estabelece a Tradição. As conclusões são tão demolidoras como preocupantes para o que se supõem ser o futuro.

Esta classificação temática da obra de René Guénon não é rigorosa pois em cada obra se encontram conteúdos pertencentes aos outros campos. Seria vão tentar sistematizar uma obra tão interdisciplinar e que se quer aberta, a diferença de um sistema filosófico que pretende sempre ser completo e se fechar sobre si mesmo. A sua obra não tenta ser um sistema fechado, definido e acabado, senão uma visão aberta e múltipla sobre o mundo, cheia de sugestões e referências a todos os campos.

Pensamento
René Guénon define o mundo moderno como a degeneração do investimento no mundo Tradicional. Por uma parte o carácter decisivo da modernidade é seu carácter anti-tradicional, a negação de toda a herança do passado e a falta de reconhecimento de qualquer dívida com uma sabedoria ou cultura anterior.
A oposição clássica entre Ocidente e Oriente não é geográfica, senão ideológica e doutrinal. Por isso se pode dizer, um pouco paradoxalmente, que enquanto a Europa foi tradicional (na Idade Média) se podia qualificar de "oriental" do ponto de vista da perspectiva actual. Do mesmo modo o Oriente actual, investido de pensamento ocidental, não é já "oriental", está ocidentalizado (ou em outras palavras des-orientado, se tomamos o sentido simbólico e profundo do termo). Efectivamente, como advertia René Guénon, a Idade Média estava mais próxima à civilização índia ou extremo-oriental que a nossa sociedade actual em qualquer de seus aspectos. Aliás o carácter tradicional da Idade Média assegurava e garantia um permanente contacto e diálogo com o Oriente tanto geográfico como doutrinal.
A conclusão última de sua obra (contida principalmente em O Reino da Quantidade e os Signos dos Tempos) é que a condição do mundo moderno testemunha o fim do ciclo actual da humanidade, algo que assinalam simbolicamente os mesmos termos Oriente e Occidente. Uma de suas grandes contribuições são os termos de "pseudo-iniciación" e "contra-iniciación". René Guénon esforça-se por desmontar, tanto na forma como no fundo, aquelas organizações que sendo supostamente tradicionais tendem em realidade a subverter a verdadeira organização tradicional, na maioria das ocasiões por ignorância da verdadeira doutrina tradicional que as leva a construir e abraçar uma pseudo-doutrina.
Guénon afirma que seu ensino não se deve a um pensamento de natureza individual ou pessoal, influenciado por alguma filosofia particular. Pelo contrário ele escapa do quadro moderno de ciências e da filosofia e  enquadra-se mais ao nível da pura metafísica e os princípios universais. Ele aborda estes objectivos com lógica e rigor com a intenção de dirigir as suas obras a todos aqueles que procuram ainda a verdade no mundo.

A Crise do Mundo Moderno

A sua reflexão sobre a DEMOCRACIA

O argumento mais decisivo contra a «democracia» resume-se em poucas palavras:

O superior não pode emanar do inferior, porque o «mais» não pode sair do «menos», isto é de um rigor matemático absoluto, contra o qual nada poderia prevalecer.

(…) a grande habilidade dos dirigentes, no Mundo Moderno, é a de fazer crer ao povo que ele se governa a si próprio: e o povo deixa-se persuadir de boa vontade, tanto mais quanto é nisso lisonjeado e que, aliás, é incapaz de reflectir bastante para ver o que há aí de impossível. Foi para criar essa ilusão que se inventou o “sufrágio universal”: é a opinião da maioria que é suposto fazer lei; mas do que se não apercebe é que a opinião é qualquer coisa que se pode facilmente dirigir e modificar; pode-se sempre, com o auxílio de sugestões apropriadas, provocar nelas correntes neste ou naquele sentido determinado;
(…) numa multidão o conjunto das reacções mentais que e produzem entre os indivíduos que a compõem leva à formação de uma espécie de resultante que está, nem sequer ao nível da média, mas ao dos elementos mais inferiores.

in René Guénon, “A Crise do Mundo moderno” (1927).

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