2019-07-29

O TERRORISMO DA CLIMATOLOGIA




(Paris com –40º, até a tinta congela na extremidade da caneta)

Estamos cientes que vivemos numa época de aparente conhecimento no domínio da climatologia, mas, na realidade, vivemos aflitivamente sob de uma profunda ignorância que aproveita ao terrorismo climatológico – sabe-se lá com que interesses inconfessáveis...
Estará o clima a mudar? De todo, não nos parece e, se estivermos mesmo perante uma alteração, é um processo muito lento e natural, no qual a intervenção humana tem pouca relevância. Lembremos as várias glaciações que conhecemos…
Apenas não temos uma linha cronológica, com meios audiovisuais que nos mostrem a evolução climática do nosso passado próximo.
Recorrendo à história, só na Europa, podemos constatar longos Invernos com temperaturas baixíssimas, e Verões sucessivos com estiagens muitíssimo prolongadas, tanto no XIV e XV, como desde o século XVII ao século XX.
Há imensos relatos escritos sobre estes acontecimentos. Porém, não tivemos, no passado, uma máfia de interesse económicos ligados à indústria do fogo, nem uma comunicação audiovisual a amplificar e a incentivar a histeria colectiva.
Estas ocorrências climatéricas inesperadas, levaram à fome de milhões de seres humanos na Europa – já para não falar na China e na Índia –, à propagação de doenças, com as consequentes guerras e revoltas de diversas populações asfixiadas com impostos elevados devido às crises que estas situações provocavam.
Por tudo isto, não levamos, tal como vários países, muito a sério o “Acordo de Paris” (2015) que no Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC) pretende reduzir a emissão de gases estufa.
As variações que constatamos, sempre existiram, e sempre existirão.
Desde a origem da Terra, já se extinguiram milhões de espécies, e muitos outros milhões se extinguirão até ao final dos tempos.
É a evolução natural.
Devemos tentar reduzir a poluição, para melhorar o clima. Mas sem histerismos…

Vejamos um só exemplo:

UM ANO FATÍDICO – 1709
(Paris com – 40º, até a tinta congela na extremidade da caneta)
O ano de 1709 marcou o início da actividade diplomática do 4.º conde de Tarouca. (…), quando «O Inverno rigoroso tinha paralisado a economia francesa desde Janeiro». Há relatos da época que apontavam para temperaturas abaixo dos -40º. O Sena gelara, a fome instalara-se no país e as revoltas chegavam até ao coração do poder. Sobre Versalhes marchou uma multidão de miseráveis provenientes de toda a França.
Uma nota da marquesa d’Huxelles para o marido, Nicolas d’Huxelles, marechal e diplomata francês encarregado de negociar a paz desde 1710, revela a situação melhor que muitas palavras: “Les nouvelles sont courtes, Monsieur, l’encre gèle au bout de la plume.(a tinta congela na extremidade da caneta)».

In SUMMAVIELLE, Isabel Maria de Araújo Lima Cluy, O Conde de Tarouca e a diplomacia na Época Moderna. Lisboa, Livros Horizonte, 2006, p. 150.

Deixem-nos em Paz
Deixem-se de alarmismos.

João Trigueiros

2019-07-16

ALDEIA DE JOANES / ALDEIA NOVA DO CABO (Fundão) – CAPELA TRANSFORMADA EM POSTO DE CORREIOS



Capela / Balcão dos CTT,
Aldeia Nova do Cabo.
Fundão, Aldeia Nova do Cabo, 
Solar dos Condes de Tondela (actual junta de freguesia)



























Aldeia Nova do Cabo 

Fundão, Aldeia Nova do Cabo, Solar dos Condes de Tondela
(actual junta de freguesia)
De passagem pelas diversas aldeias do concelho do Fundão, quase sempre ficamos surpreendidos por alguns aspectos pitorescos que nos surpreendem positivamente na paisagem; assim como alguns atropelos que resultam da falta de sensibilidade dos seus autores, como é o caso aqui constatado.
Em Aldeia de Joanes e Aldeia Nova do Cabo, desta vez, deparamo-nos com um atropelo de mau gosto à sensibilidade estética da população, senão à religiosidade de alguns crentes.

Referimo-nos a um posto de correios – loja CTT – instalado na capela da antiga casa dos Condes de Tondela (1861), a qual foi ocupada na sequência da revolução do 25 de Abril de 1974 e é actualmente sede da respectiva Junta de Freguesia de Aldeia Nova do Cabo.

Esta casa e respectiva capela foi mandada edificar em 1861 por PEDRO DE ARAGÃO DA COSTA SÁ VICTORIA (n. 1819), nascido a 18-X-1819 na Quinta da Ponte, freguesia da Faia, concelho da Guarda, o qual veio residir em Aldeia Nova do Cabo, Fundão, onde tinha um apreciável património fundiário por herança de seus pais Bartolomeu de Aragão da Costa Tavares e Sá (c. 1780) e D. Maria Joana Roede da Vitória (n. 1782), 2ª baronesa de Tondela.

Perante a alteração de funções deste pequeno orago católico — outrora destinado à comunicação com Deus e agora virado às profanas e rentáveis comunicações postais —, não ficaríamos muito surpreendidos, não fosse a permanência no seu altar-mor da imagem de Nossa Senhora de Fátima ladeada por dois modelos de embalagens postais de caixas de cartão, à laia de querubins, numa espécie de instalação plástica surrealista digna do Teatro-Museu Dali em Figueres (Catalunha).

Tudo isto com um balcão no lugar do altar onde um funcionário atende à maneira de um celebrante da Missa "de frente para o povo", tendo à sua frente um monitor de computador. Os diversos ícones religiosos foram substituídos por inúmeras bugigangas das que actualmente são vendidas neste tipo de lojas: tais como frascos de compotas e mel da região, ao lado da pia de água benta de granito adossada na parede, e uma mostra museológica de instrumentos musicais de uma antiga banda de música desta freguesia – numa parafernália que aparenta a sua inspiração na malícia do Daesh.
Mesmo defronte deste solar, no outro lado da rua, a existência de duas antigas e amplas cocheiras, permitiriam a instalação destes serviços sem atropelos de mau gosto, e sem a profanação pagã deste orago …
Esta visão, trouxe-nos à memória as muitas barbaridades ocorridas neste país com a extinção das ordens religiosas após as Lutas Liberais (1834), e a Primeira República (1910); acontecimentos estes que, aqui na Beira, levaram à alienação de muitos pequenos templos religiosos, dos quais alguns foram demolidos, ou alienados e convertidos em estábulos, arrumos agrícolas e adegas — dispersando e vandalizando o seu património artístico …



Aldeia de Joanes

Fundão, Aldeia de Joanes, Igreja de São Pedro.
Já agora, deixamos aqui uma chamada de atenção para algumas modernices, entre muitas outras, que são um atentado ao património edificado da contígua freguesia de Aldeia de Joanes.
A sua antiquíssima Igreja de São Pedro (1233?), de traça ainda românica, que esteve inicialmente sobre a alçada da Ordem do Templo, começa a testemunhar a iniciativa “modernizadora” dos seus autarcas que, deste modo, querem deixar obra.  
Uma destas é uma moderna capela mortuária, que em nossa opinião foi abusivamente edificada à ilharga desta igreja, não a respeitando pelo seu pouco distanciamento, nem pelos materiais utilizados, nem pelo cromatismo das suas paredes; o que compromete a integridade da vetusta igreja que lhe está próxima demais.
A este conjunto, acrescentaram ainda uma dissonante e desproporcionada luminária modernista, que completa o mau gosto que vai imperando no património concelhio.


Aldeia de Joanes, Igreja de São Pedro,
e Capela Mortuária
Aldeia de Joanes, Capela Mortuária.
(Tem anexa uma capela mortuuária "modernista")


















O Museu Arqueológico Municipal Dr. José Monteiro, do Fundão, tem uma direcção e uma equipa técnica com sensibilidade, competência e conhecimentos, no domínio do Património e da Museologia, que é uma mais valia para acompanhamento destas pequenas obras e muito contribuiria para evitar estes equívocos...

Assim o queiram as diversas juntas de freguesia.
Aqui fica a sugestão.


    João Trigueiros
Aldeia de Joanes, Igreja de São Pedro,
com luminária "modernista".





















Adenda:


UM POUCO DE TRANQUILIDADE NO DESASSOSSEGO

Jamais questionamos a existência de uma estação de Correios em Aldeia Nova do Cabo, e até sugerimos, em alternativa a esta, a sua instalação numa edificação fronteira ao solar, no outro lado da rua. Para os moradores da freguesia, esta alteração não faria a mínima diferença.

Se a população encara com naturalidade a instalação desses serviços neste local, à mistura com compotas, instrumentos de música, e ícones religiosos, por iniciativa de uma junta de freguesia de um estado laico, até ficamos muito felizes. A população local, deste modo, demonstra o seu grande sentido de humor – que nós muito apreciamos – e o seu interesse estético pelo surrealismo… A nosso alerta aqui expresso – ao contrário do que alguns pretendem –, nada tem de motivação eleitoral, até porque actualmente sentimos alguma repulsa pela política, da maneira como tem sido exercida nas últimas décadas. Neste caso, apenas as questões estéticas e patrimoniais, por uma questão de gosto pessoal e de formação académica, foram a nossa única motivação.

Dos poucos políticos locais que conhecemos pessoalmente, um dos únicos é o empenhado Dr. Paulo Fernades, presidente da C.M.F, com o qual privamos ainda ele era um “outsider” da política. Para ele vai a nossa admiração, pelo trabalho realizado e pela sua coragem em dar o corpo às balas na sua ingrata tarefa. Dos presidentes de junta, não conhecemos nenhum, tampouco as suas filiações partidárias, pelo que qualquer crítica – como a que nos foi feita através da Rádio Renascença / Sapo – não tem a menor sustentação como motivação política.

Nada nos chocou – longe disso –, que a funcionalidade desta capela fosse alterada em prol de uma população carente de serviços públicos, desde que despojada de todos os símbolos religiosos, e pautada por algum bom-gosto – o que não é este o caso … Daí a nossa crítica.

Mas, como diz o Quim Barreiros na música “O Peixe”, “cada um come o que gosta” … 

2018-10-02

Poeta MANUEL TAVARES RODRIGUES LEAL (1941-2016)

(In memoriam)



Manoel Tavares Rodrigues-Leal (1941-2016)

Soube agora, com muito pesar meu, que o poeta MANOEL LEAL já partiu deste mundo.
Era uma amizade antiga – anterior ao 25 de Abril (1974) – que terá começado por volta dos meus 20 anos. Mais tarde, a vida levou-nos por caminhos diferentes e perdi-lhe o rasto, já faz muito tempo.
Deste infausto acontecimento, tomei conhecimento através de um texto da autoria de LUÍS DE BARREIROS TAVARES, filósofo, escritor, crítico e grande conhecedor de parte da vastíssima obra inédita de M. Leal[1]. Seu grande amigo e admirador, colaborador da publicação digital «Revista Caliban»[2], dedicou-lhe aí vários textos de divulgação, dos quais colhemos algumas informações e fotos.  
A notícia da sua morte trouxe-me recordações dos nossos longínquos tempos de convívio, num grupo de amigos que deambulava então nos cafés de Alvalade, os quais aqui não posso deixar de lembrar.
Sei que o M. Leal deixou cerca de 100 cadernos inéditos, de prosa-poética, alguns deles com cerca de 100 poemas. 
São milhares de pequenos textos, agrupados por temas, dos quais o M. Leal ainda me mostrou alguns numa das visitas que fiz a sua casa de Lisboa onde morava com a sua mãe, no Bairro das Colónias, aos Anjos.
Manoel Leal (1941-2016)
Esta sua casa ostentava uma decoração antiga e intimista onde predominavam as cores das madeiras escuras dos móveis, assim como os tons ocres das paredes, numa profusão de livros e papéis, iluminada por uma luz quase sempre velada: espécie de laboratório onde abrigava a sua timidez de poeta incompreendido e dava azo ao seu génio criativo, pela noite dentro.
Da sua imensa obra, publicou ao todo uma mão cheia de poemas em algumas revistas literárias de circulação restrita e, já quase no fim da vida, alguns livros, em edição de autor.
Este infindável espólio, quase todo inédito, deve ser estudado antes que se perca: coisa que ele não pode fazer por falta de editor e de recursos.
O Manoel detestava visceralmente a política e sempre recusou fazer parte de capelinhas partidárias que o promovessem, ao contrário de muitos autores que pontificam neste país …
Quem sabe se, os milhares de textos que ele nos deixou dispersos por numerosos cadernos – há semelhança de outros casos do passado – só serão valorizados muitos anos depois da sua morte...
Nestes registos, ia anotando os seus textos poéticos, bem alinhados, numa caligrafia miudinha de maiúsculas, cheia de rasuras e emendas. Para ele, a maioria dos poemas nunca estavam definitivamente acabados. Por vezes, para além das rasuras que lhes ia fazendo ao longo do tempo, elaborava segundas versões.
Usou vários pseudónimos literários, retirados dos nomes dos seus antepassados, facto este que passou desapercebido à maioria dos seus críticos, os quais desconheciam a sua genealogia.
Manoel Leal (1941-2016)
Assim temos os pseudónimos MANOEL DA CUNHA E MELO (de uma avó de Viseu), na «Voz Equívoca» (1975); MANOEL FERREYRA DA MOTTA CARDÔZO PEREIRA DE GOUVEIA (de um aristocrático 5.º ou 6.º avô natural de Ferreira de Aves), na «A Duração da Eternidade» (2007), na «A Imperfeição da Felicidade» (2079, e na «A Noção da Inocência» (2008); e ainda MANUEL DE SOUZA-VALENTE (de uma trisavó de Ferreira de Aves), na «Lírica Translúcida» (2010).  
Há ainda nos seus manuscritos um outro pseudónimo: MANOEL PEREIRA DE GOUVÊA (tirado dos apelidos do já citado 5.º ou 6.º avô). 
O seu interesse pela poesia era obsessivo, quase doentio; uma permanente batalha sofrida com a palavra, muitas vezes travada à mesa do café. Para a então irreverente juventude de muitos dos seus amigos e colegas de Direito, que estavam interessados em coisas mais efémeras e mundanas, as actividades e conversa literária do M. Leal, eram tediosas ... Porém, tinha um pequeno núcleo de pessoas que o estimavam.
Manoel Tavares Rodrigues-Leal
(1941-2016)
Eramos então quase todos estudantes pré-universitários ou universitários em início de curso, fúteis, despreocupados e hedonistas, que esbanjávamos a vida nas tertúlias de café, bares e discotecas de Lisboa; nomeadamente na zona do Areeiro e da Avenida de Roma, que após o 25 de Abril se tornaria num dos centros da movida lisboeta.
Foi por aí que conheci o M. Leal, quando este era aluno da Faculdade de Direito, curso que frequentou até ao 5.º ano, mas não concluiu.
Detestava os grandes espaços de convívio então aí existentes, apesar de os frequentar episodicamente – Café Roma e Capri na Av. De Roma; Café Londres, Las Vegas, e Pastelaria Mexicana na Pç. de Londres –, preferindo os locais mais pequenos e reservados para conversar com os amigos, muitas vezes em sussurro e com a voz tremelicada.

Na altura em que o conheci, nos finais da década de 60, além do meu interesse pela Artes Plásticas, eu era um discreto apreciador da poesia, pois ia rabiscando uns versos, pelo que o M. Leal exercia algum fascínio sobre mim.
Basicamente ele era muito educado, discreto, solitário e introvertido, cuja obsessão pela criação poética acabava por dificultar um pouco o seu relacionamento social com as pessoas comuns. Porém, pairava sobre alguns de nós, como uma espécie de ser superior, um pouco invulgar.
Recusava as futilidades mundanas da vida. O seu grande, avassalador, e viceral objectivo, era a poesia. Era um apreciador dos poetas metafísicos e malditos, tendo deixado registado num seu caderno: "Não fiquei nem em Rimbaud nem em Pessoa. Não sei se a minha poesia traz algo. Mas escrevo o que quero."
Imagino o quanto sofreu, pelo seu génio poético não lhe ter sido reconhecido em vida …


  

Falava muito pouco da sua família, mas sabemos que tinha irmãos, sendo ele o mais novo.
Sabemos, ainda, que era primo do Dr. Francisco Sousa Tavares (1920-1993), advogado e político, casado com Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004), escritora e poetisa, que o M. Leal muito admirava, com a qual chegou a conviver na sua casa de férias em Lagos, e à qual um dia não se coibiu de dizer: “Não gosto dos seus poemas políticos". Era a sua aversão à política…

Quando viu a luz do dia já o seu pai contava 48 anos, tendo ficado órfão deste quando contava cerca de 14 anos, pelo que a vida não lhe terá sido fácil.

Era filho de MANUEL RODRIGUES LEAL (1898-1955), jornalista, natural de Vila Verde, concelho de Alijó, que ficou conhecido pelo pseudónimo «MANOEL VILAVERDE» devido à sua origem geográfica. Presumimos ser ele o autor de um soneto de cariz religioso intitulado “A morte de Soror Thereza do Menino Jesus», o qual foi publicado na revista «Contemporânea» (n.º 3, julho/Outubro 1926, p. 119).
Da figura paterna, costumava dizer, com algum carinho, que foi um “jornalista que passou por grandes dificuldades”; como muitos outros da sua época, acrescentamos nós.  Porém, segundo conseguimos apurar, este viveu num ambiente muito rico de vivências culturais, convivendo nas tertúlias dos cafés do Rossio em Lisboa, e aí estabelecendo laços de amizade com muitos intelectuais da sua época. Alguns deles: António Botto (1897-1959), poeta; Augusto de Santa-Rita (1888-1956), escritor e poeta, irmão de Santa-Rita Pintor; António Ferro (1895-1956), jornalista e responsável pela política cultural do Estado Novo; Fernanda de Castro (1900-1994), escritora e poetisa, casada com António Ferro; Pedro Teotónio Pereira (1902-1972), destacado político e diplomata, foi um dos grandes obreiros do Estado Novo, sobre o qual deixou alguns escritos; Almada Negreiros (1893-1970), pintor, poeta, ensaísta, que entrevistou; e António Sardinha (1887-1925), poeta, historiador, político, e um dos ícones do integralismo lusitano.

Manuel Leal, e sua mãe.
D. Maria da Conceição,
no Rossio, em Lisboa.
A sua mãe, D. MARIA DA CONCEIÇÃO DE MELO TAVARES (1904-1994), a «Tanina» para os íntimos, era uma simpática anciã que ainda conheci na sua casa dos Anjos onde vivia com o M. Leal. Por vezes ele referia a proveniência desta senhora, com origem numa “família aristocrática do Centro do país” (Viseu). Certamente referia-se aos seus antepassados CUNHA e MELO de Viseu, aos COELHO de MELO de Souto de Lafões, e aos FERREIRA DA MOTA CARDOSO de Ferreira de Aves (dos quais tirou os seus pseudónimos literários); uma família abastada e letrada, com vários licenciados em Direito na Universidade de Coimbra – que ele terá conhecido por vagos relatos familiares, e nós conseguimos agora explicitar através da genealogia.
Esta senhora fazia parte de uma prole de sete filhos das segundas núpcias de HENRIQUE DE ARAÚJO GODINHO TAVARES (n. 1855), proprietário e industrial, então viúvo, natural de Vigia, Pará, Brasil, casado nas suas segundas núpcias a 17-IV-1893 na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, em Lisboa, com D. MARIA DO NASCIMENTO DA CUNHA E MELO (n. 1866), natural de Viseu, da qual retirou um dos seus pseudónimos, filha do Dr. AGOSTINHO DE SOUSA VALENTE FERREIRA DA MOTA (c. 1863), proprietário, formado em Direito na Universidade de Coimbra (27-V-1863), natural de Aldeia Nova, freguesia de Ferreira de Aves, concelho de Sátão, no distrito de Viseu, e de sua mulher D. MARIA DA PIEDADE DE MELO E CÁCERES, natural de Souto de Lafões, concelho de Oliveira de Frades.

As anteriores primeiras núpcias de HENRIQUE DE ARAÚJO GODINHO TAVARES (n. 1855), foram celebradas a 29-X-1877 em São Sebastião da Pedreira em Lisboa com D. MARIA DA PURIFICAÇÃO CARDOSO DE SOUSA (n. 1864), natural de Alcântara, Lisboa, falecida em Belas, da qual teve 3 filhos, entre os quais estava o pai de FRANCISCO DE SOUSA TAVARES (1920-1993), casado com a emérita poetiza SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESSEN (1919-2004), da qual o M. Leal era admirador.

Seu trisavô, filho de um homónimo Dr. Agostinho, era JOÃO DA CUNHA FERREIRA DA MOTA E ALMEIDA (n. 1836), nascido a 12-XII-1836 na Quinta de Fontão, Lamego, casado em segundas núpcias com D. MARIA JÚLIA DE SOUSA VALENTE, natural da Quinta da Chapeleira, Ferreira de Aves.


André Ferreira da Cunha
e Almeida da Motta
Cardoso Pereira de Gouveia
(1788-1869)
Uma das origens deste ramo familiar, estará numa das três filhas de ANDRÉ FERREIRA DA CUNHA E ALMEIDA DA MOTTA CARDOSO PEREIRA DE GOUVEIA (1798-1869), moço fidalgo da Casa Real (9-X-1821), formado em Direito pela Universidade de Coimbra (10-VII-1820), coronel e comandante interino do Batalhão de Voluntários Realistas de Tomar (7-III-1834). Foi senhor da casa e morgadio de Fontão em Tabuaço (Fontão Seco), cuja belíssima Casa de Fontão, em Tabuaço, apresenta uma pedra de armas esquarteladas: 1.º - PEREIRA, 2.º - FERREIRA DA MOTA (?); 3.º - CARDOSO, e 4.º - ALMEIDA (?); sobrepujado por um elmo cerrado, encimado pelo timbre de PERREIRA.
Nasceu a 10-XI-1798 na Casa do Outeiro, em Ferreira de Aves, concelho de Sátão, filho de João Cardoso Teixeira da Mota e Gouveia, e veio a falecer já viúvo a 6-VIII-1869 em Ferreira do Zêzere, terra da sua mulher, D. MARIA BENEDITA DA COSTA RESENDE MALDONADO DA SILVEIRA, senhora das Casas da Cabeça do Carvalho, da Quinta do Adro e do Vale, em Ferreira do Zêzere.
Foi deste ramo familiar que o M. Leal tirou os seus pseudónimos literários, atrás referidos: MANOEL FERREYRA DA MOTTA CARDÔZO, e PEREIRA DE GOUVEIA.


Armas da Casa de Fontão.
Esquarteladas de: 1º - PEREIRA,
2º - FERREIRA DA MOTA(?),
3º - CARDOSO, e 4º - ALMEIDA(?)
Casa de Fontão, Tabuaço, Viseu.


Casa do Adro, Ferreira do Zêzere.

O M. LEAL conviveu com alguns intelectuais da sua época – poetas e escritores –, mas  era nos amigos das tertúlias de café e colegas de faculdade, moradores no bairro que preferencialmente frequentava (Areeiro e Alvalade), que procurava arrimo.

Algumas das suas amizades literárias, dos finais dos anos 60, princípio dos 70, são conhecidas. Entre elas, estão alguns intelectuais do icónico e já desaparecido CAFÉ MONTE CARLO, na Av. Fontes Pereira de Melo.  Aí privou com o poeta HERBERTO HELDER, o poeta e crítico literário GASTÃO CRUZ, assim como a escritora MARIA VELHO DA COSTA.
Manoel Leal
Conheceu nos cafés da Avenida de Roma o escritor EDUARDO PRADO COELHO, assim como o brilhante crítico de arte RUI MÁRIO GONÇALVES.
O MÁRIO SÉRIO, “ilustre desconhecido, que frequentava o café Copacabana, era um apaixonado por Brecht, Stanislavsy, Rimbaud, Verlaine, entre outros”, segundo refere o M. Leal nas suas notas. Este era funcionário bancário, escritor, e um dos críticos e dramaturgos mais interessantes e ignorados no panorama do teatro português contemporâneo. Deixou-nos cinco boas peças, nenhuma delas posta em cena. A ele se ficou a dever a encenação, pela primeira vez em Portugal, de trechos da obra de Bertolt Brecht. No fim dos anos 60, dirigiu e encenou Grupo Cénico do Instituto Superior Técnico.
Foi ainda amigo do poeta CRISTÓVAM PAVIA – pseudónimo que usou, entre outros –, cujo nome completo era FRANCISCO ANTÓNIO LAHMEYER FLORES BUGALHO, ao qual dedicou alguns poemas e, tal como ele, era uma personalidade em conflito com o mundo.
Manuel BoavidaSantos e Manoel Leal,
1970?
Quando o conheci, frequentava um grupo de amigos que tinham como paradeiro a Pastelaria Cinderela ao Areeiro, nos finais dos anos 60, onde tinha um grande amigo, o JOSÉ MANUEL BOAVIDA DOS SANTOS, então residente no mesmo prédio, com o qual tinha uma grande similitude de feitio, reservado e tímido, tendo com ele planeado a abertura de uma Livraria/Tabacaria – o Manoel era um inveterado fumador – negócio este que não chegou a concretizar-se. Quanto ao BOAVIDA, ainda chegou a inscrever-se em medicina, acabando por exilar-se em França em Maio de 1972, em cuja universidade da Sorbonne em Paris se formou em Filosofia, de onde regressou a Portugal em 1994, e hoje é um distinto catedrático do Departamento de Comunicação e Artes da Universidade da Beira Interior (Covilhã). Por este motivo o M. Leal perdeu um dos seus grandes amigos, acabando por se mudar, com outros frequentadores deste grupo, para outro centro de convívio, recentemente inaugurado e na moda: a Pastelaria Moinho Vermelho (actual Maria Canela).
Neste grupo de amigos da Cinderela, entre muitos outros, ainda recordo alguns.
MANUEL AMORIM, então um singular aspirante a pintor que se fazia acompanhar quase sempre da sua caixa/estojo de pintura em mogno, que acabaria também ele por se exilar em Paris por volta de 1969, na companhia do Manuel da Silva Ramos, escritor covilhanense então galardoado aos 21 anos de idade com o Prémio de Novelística Almeida Garrett (1968), pelo seu romance Os Três Seios de Novélia. Este autor, num dos seus assomos de excentricidade surrealista que então cultivava, chegou a passear-se no Chiado, num impecável terno preto de muito bom corte, com uma pequena gaiola contendo um canário amarelo... O AMORIM, em Paris, acolheu-se inicialmente à protecção dos célebres pintores Maria Helena Vieira da Silva e seu marido Arpad Szénes, tendo aí frequentado alguns dos melhores ateliers desta época, só regressando a Portugal no início do século XXI.
Manoel Leal e António Matos Guerra;
Versailles, Paris, 1973?
Não sendo possível recordar todos os então muito jovens elementos do grupo, não posso deixar de referir: os dois irmãos ROOVERS DE ALMEIDA (Arq. Luís e Paulo); o ANTÓNIO MATOS GUERRA (e seu irmão JOÃO), que veio a ser engenheiro civil, com o qual o M. Leal chegou a fazer uma viagem a Paris no início dos anos 70 onde visitou alguns amigos exilados; e a MARIA MARQUES CALADO que viria a ser uma distinta investigadora e docente da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa.
Com a saída para o exílio de vários elementos deste grupo, e o abandono de outros logo no início dos anos 70, muitos elementos, incluindo o MANOEL LEAL, debandaram para outros espaços de convívio, como a Cervejaria Munique (ao Areeiro), a Pastelaria Moinho Vermelho e a fronteira cervejaria O Pote que então estava aberta até altas horas da madrugada e era palco de altas cachaçadas e ponto de encontro de militantes radicais da direita e da esquerda de então (na Av. João XXI), uma espécie de quartel general da boémia residente nestas paragens, não descurando muitas outras casas do género nas imediações.
Quanto aos colegas de Direito do M. LEAL, com assento no Moinho Vermelho, muitos há que já não recordo.
Manoel Leal
Ainda lembro o seu – e meu – grande amigo GUSTAVO FILIPE SARAIVA (f. 9-IV-2010), que viria a ser advogado e era o mais boémio de todos nós, falecido prematuramente. Ambos tínhamos um comportamento extrovertido, por vezes um pouco histriónico, o que suscitava algum prurido entre os elementos mais sorumbáticos do grupo.
Havia ainda, mais esporadicamente, o PAULO FILIPE SARAIVA, irmão mais novo do anterior, estudante de medicina e actualmente médico, então o grande desportista do grupo que era jogador da prestigiada equipa de rugby do CDUL – Centro Desportivo Universitário de Lisboa.
O JOÃO VARGAS MONIZ, de temperamento mais grave, veio a ser um alto funcionário da administração pública, assessor de vários governantes, chefe de gabinetes e secretarias gerais, gestor público, que, com o seu engenho, deu corpo às Lojas do Cidadão.
O JOÃO COITO, afável e com grande fineza de carácter, falava quase sempre em sussurro e tinha sorriso tímido; uma jóia de pessoa e um amante dos livros que trabalhou na Livraria Barata (Av. De Roma) e na livraria do Centro Comercial Arco Iris (Av. Júlio Dinis, ao Campo Pequeno) que se tornaria numa das melhores livrarias de temas jurídicos, graças à sua iniciativa. Concluiu o seu curso de Direito e veio a ser magistrado judicial.

Manoel Leal.
Quanto ao M. LEAL, foram-lhe conhecidas algumas paixões – parte delas platónicas –, as quais motivaram alguns dos seus melhores poemas à beleza feminina.
Foi por altura da frequência do Moinho Vermelho, que o M. LEAL conheceu a ANA, à qual uniu o seu destino, enlace este que não duraria muito tempo, o que então lhe terá quebrado o ânimo e partido o coração.
É sabido que foi um dos melhores alunos do Colégio Académico, onde esteve sempre no quadro de honra durante o secundário, além de ser dotado para o estudo do Direito onde chegou a fazer 21 cadeiras com razoável aproveitamento, chegando até ao 5.º ano. Porém faltava a muitos exames, por achar, infundadamente, segundo referiam os colegas, não estar preparado para fazer uma boa prova. Acabou por não concluir o curso, que abandonou.

Manoel Leal
Com o acentuar da idade, foi-se tornando uma figura um pouco peculiar, mais sorumbático, procurando cores sombrias para vestir, sempre com um livro ou outro debaixo do braço, e folhas de apontamentos onde tomava notas que ia rasurando e reescrevendo.
Arranjou um emprego no Estado (Ministério do Trabalho?), ao qual não se terá adaptado, acabando por ser “transferido” para uma qualquer função subalterna na Biblioteca Nacional de Lisboa, da qual ele não gostava, e onde o encontrei muitas vezes no início da década de 80, quando me confessou ter que “aguentar para pagar as contas”.

A última vez que o encontrei, fui numa situação inusitada.
No fim de uma cálida tarde de Verão, já a beirar a entrada do Outono, fui até à Praia do Rei na Costa da Caparica para dar um mergulho. Quando estava estendido no imenso areal semideserto, vejo ao longe, ao correr da linha de rebentação, vindo do lado da Costa da Caparica, uma solitária e estranha figura a caminhar lentamente na areia, vestida com um convencional fato preto, calças um pouco arregaçadas, com as meias e sapatos pretos numa das mãos, e um ou dois livros na outra…
Para meu espanto era o M. Leal que lá vinha ao longe, com uma passada curta. Mal me avistou, logo se dirigiu a mim, com o suor a escorrer-lhe em bica da sua face. Numa breve conversa referiu ter saído mais cedo do emprego para vir apanhar um pouco de ar … Trocou comigo mais algumas afáveis palavras de circunstância e seguiu o seu caminho, como quem passeava tranquilamente num qualquer boulevard citadino.
Era este o inenarrável MANOEL LEAL que eu conheci: um outsider, um pouco excêntrico, sensível, inteligente e criativo; sempre insatisfeito com o mundo que o rodeava, cujas atitudes por vezes invulgares suscitavam alguma curiosidade e admiração pela parte de quem com ele privava.
Hoje, com muito pesar meu, lamento ter perdido o contacto com ele.
Nunca mais o vi.

Que esteja em Paz.

João Trigueiros (Jotri)
Setembro / 2018




Obra de MANOEL LEAL
(um provável Fernando Pessoa, ainda desconhecido)


Manoel Tavares Rodrigues-Leal (1941-2016)

Deixou milhares de belos poemas e textos de prosa poética, muitos dos quais dedicados a vários autores que admirava, alguns dados a conhecer pelo seu amigo.
A FERNANDO PESSOA, e aos seus principais heterónimos (Álvaro de Campos, Ricardo Reia), dedicou uma profusão de textos poéticos: «E se fôssemos, / Fernando, ao brandy imaculado da Metafísica, Pessoa sempre impessoal, / ubíqua figura».
Sobre ARTUR RIMBOUD, o qual muito admirava e cuja alma inquieta lhe inspiraria alguma afinidade, escreveu belos poemas e textos, pois, este poeta maldito, segundo refere, “Que Rimbaud, em mim, pessoal, ressoe”, pois viveu “Uma Época no Inferno como a minha”, e “entre nós existe voz, conversa, alguém diria afastada da fonte”…

Que o futuro lhe faça justiça e a sua imensa obra inédita – por onde andará? –, seja preservada e entregue à Torre do Tombo para ser colocada à disposição dos investigadores.
Quiçá estaremos na presença de um novo Fernando Pessoa, que nos deixou o seu baú de manuscritos, para nosso deleite…


LIVROS PUBLICADOS
(sob diversos pseudónimos)

MANOEL DA CUNHA E MELO
«Voz Equívoca», Ed. De autor, 1975.

MANOEL FERREYRA DA MOTTA CARDÔZO
- «A Duração da Eternidade», Ed. de autor, Janeiro de 2007.
- «A Imperfeição da Felicidade», Ed. de autor, Dezembro de 2007.
- «A Noção da Inocência», Ed. de Autor, 2008.


MANOEL DA CUNHA E MELLO
- «Fidelidade de um Fauno», 2007-2008.

MANOEL DE SOUZA-VALENTE
- «Lírica Translúcida», Ed. Autor, 2010.
























Manoel Tavares Rodrigues-Leal
 (1941-2016)
ELSA RODRIGUES DOS SANTOS (1939-2012), presidente da Sociedade da Língua Portuguesa, autora de uma vasta obra de divulgação de outros autores, dedicou-se ao estudo da literatura portuguesa e das literaturas africanas de língua portuguesa.
Deixou-nos alguns textos sobre os poemas de "Manoel Ferreyra da Motta Cardôzo”, pseudónimo de Manoel Tavares Rodrigues-Leal:

- 1º texto –

Sobre «A Noção da Inocência» (2008)

Do seu primeiro livro, A Duração da Eternidade, eu dizia: «Numa escrita indócil, viril, entre o cunho clássico pela virtude da cultura, da qualidade e da sabedoria e da marca do modernismo na criatividade de uma nova gramática, Motta Cardôzo oculta as cicatrizes e os dias felizes, na convicção da palavra poética.»
E terminava: «Assim o acreditamos, pela publicação deste seu primeiro livro de poesia, belo nas suas metáforas e representações, que desejamos não ser um acto isolado e efémero, mas retomando em outros Outonos suaves e marcantes, enriquecendo as belas letras portuguesas».
Com a Noção da Inocência confirmamos a qualidade da escrita poética, projectada não só neste terceiro livro, como num quarto já muito próximo de nos chegar às mãos.
E se no primeiro livro o Poeta se confrontava com o ofício da escrita, como um acto de alegria e de dor, e ainda como o binómio/efemeridade, neste segundo livro, o sujeito poético remonta à idade da inocência, à beleza quase perfeita dos corpos e à descoberta do amor.

a infância ainda ecoa. ainda eclode.
tão íntima. tão lúcida.
atravessa os dias. como uma seta.
que inflige ternura.

                                   X

a exuberância crucial do desejo. ocorre. essa desmesura.
essa distância dos corpos. e das colinas. e sua errância. e efémera.
irrestrita. mas triste. como descrevê-las. velas e loucura.
e toda a adolescência. magoada. que não deslumbra.
mas ainda navega. navio esbelto. que não foge do fogo.
nem exorbita da penumbra.

A idade da inocência cumpre-se como um tempo de expectativa, de curiosidade, como um fruto ainda verde, mas promissor de um outro tempo em que Eros e Apolo se unem, insinuando uma maturidade sensual.

acordo para o verão. vulnerável.
inaudível.
que cai como uma bênção. ou um anátema.
acordo para o teu corpo. que é um corcel. ágil e alegre.
moreno. como a rosa da tarde. que declina. e se rasga. cruel.
e que. de um prazer íngreme. se alague.

O sujeito poético transporta, porém, o germe da dúvida, da perenidade do amor, da dor que o fim implica e di-lo nos versos:

ah ter eu a leveza de haste.
de uma primavera remota. por que tu te enfeitiçaste.
a noção. incólume. do meu íntimo desastre.

Confrontam-se agora dois tempos: presente/passado transfigurados em realidade/ memória, em que nos dias longínquos da juventude os corpos eram belos, o amor, emoção e prazer. No presente, a vida flui para um destino irremediável, rio sem regresso.

jamais teu corpo florirá. como outrora
floriu. jamais jorrará a seiva ardente.
que jorrava. nos dias auspiciosos e felizes

agora teu corpo cumpre o seu destino. inexorável
(...)e inocente. que é a morte. perene. obscena. irrespirável.

Visão pessimista e dolorosa só colmatada pela recordação da mãe, da casa, porto seguro, sem enganos e sem traições, ultrapassando a efemeridade da vida e o «olvido vil da morte»

a infância perfaz-se em ti. ó
mãe mansa.
ó casa. ilesa.
onde vivi. e o ouro do gesto floria.
sem engano.
sem a dubiez das
noites.
e o gesto floria. exacto.
e nunca mais se extinguiria.
ó mãe. mansa e imensa.
cujo rosto jamais se apartará de mim. e que eu ainda vislumbro
rosto incólume. que eu sempre invocarei.
contra o olvido vil da morte.

Reiterando por outras palavras o que disse anteriormente, a poesia de Motta Cardôzo é trabalhada no ouro da palavra, numa escrita adulta e de qualidade, em que o erotismo do gesto se configura em imagens de uma elevada beleza e finura como só um poeta maduro e realizado o pode fazer. Por isso, é urgente que a sua poesia seja enquadrada na nossa melhor literatura.

Elsa Rodrigues dos Santos

- 2º texto -
(Publicado no boletim literário e no site de recensões da SLP – Sociedade da Língua Portuguesa)

Três epígrafes, duas de Rimbaud e uma de Ricardo Reis abrem o livro sob o signo da descrença da vida e da existência de liberdade.
«Merde à Dieu» diz Rimbaud, «Porque só na ilusão da liberdade, a liberdade existe…» acentua Ricardo Reis numa das suas Odes. Assim, logo à partida as epígrafes apontam-nos para uma poesia com um certo cepticismo e mágoa.
O primeiro poema é uma reflexão sobre o ofício da escrita e o autor fala-nos de «loucura», de «uma frustre maré interior», «o inexorável rigor» e «depois a remota eternidade de um corpo».
Jogando com o conceito de «literatura», que é ofício eterno, mas também «leitura e ócio», o poeta termina ironicamente rimando com a palavra «literadura», porque a escrita, se é algo de eterno, implica também sofrimento.
No poema II, o poeta, na sequência do primeiro, afirma. «e não dura o dom». Confronta-se, então, o sentido de eternidade com o de efemeridade, isto é, eternidade, na qual o poeta acredita e efemeridade que constata. E aí reside a dor do sujeito poético, entre o prazer fugidio das palavras e o projecto de escrita para a eternidade que se confundem com o vazio dos dias entre «a vã cobiça de um corpo», «prazer efémero», o desejo de amor e «a morte suprema» desse mesmo amor, dessa mesma vida.
Fica apenas a ilusão de que a sua escrita permanecerá eternamente («luar de letras consentidas» (…) «assim as guardo. cioso» «até à circulação da eternidade. Suponho eu.»)
No poema III, o «eu» surge em forma de Outono que «vem todos os anos. outonos suaves. como a mãe gostava. eternos e não duram muito.»
«Outono», não apenas como símbolo do declinar das estações e da existência, mas como algo de doce, de sensual, de recordação de um amor que «morreu há muito e é eterno e outono talvez.» Eterno porque volta sempre, ainda que passageiro.
Institui-se com persistência o binómio eternidade/efemeridade na escrita e sobretudo no amor porque «até a eternidade morre vilmente» (V).
«Cristo morreu como se fosse eterno/ como se fosse manso rio de um continente desconhecido» (VI).
Eros e Tanatos se digladiam entre o ser e o estar, entre a essência e a vivência.
Erotismo e vida, erotismo e morte (oh vã comédia da vida) fundem-se na alma do poeta através da arte das palavras.
Numa escrita indócil, viril, entre o cunho clássico pela virtude da cultura, da qualidade e da sabedoria e a marca do modernismo na criatividade de uma nova gramática, Motta Cardôzo oculta as cicatrizes e os dias felizes, na convicção da posteridade da palavra poética.
Assim o acreditamos, pela publicação deste seu primeiro livro de poesia, belo nas suas metáforas e representações, que desejamos não ser um acto isolado e efémero, mas retornando em outros Outonos suaves e marcantes, enriquecendo as belas letras portuguesas.

Elsa Rodrigues dos Santos

Este texto encontra-se publicado no site de recensões da Sociedade da Língua Portuguesa (SLP).




POESIA

A RIMBAUD

A dicção dos dias tem vertical importância:
Desliza como vago rio que corre para a Foz,
E que festa apetece quando morre o que se supunha imortal.
Nada sei, Rimbaud morre em Marselha, e entre nós existe voz, conversa, alguém diria afastada da fonte.
E que importa a poetas malditos o que os outros, latente ou expressamente, ladram: é uma oceânica vogal talvez…

Lx. 9–7–76
Caderno: Livro do amador nómada.

Sob o som vegetal da nudez,
(Deslizando o comboio), relembro a metamorfose da morte de Rimbaud:
Eis a ilação de uma profusa e eloquente loucura!…
Abençoado seja Rimbaud pela sua comovida lição de nostalgia e brancura,
Omnipotente lua de primordial unidade… Assim o acolho em meu regaço, e talvez
Que Rimbaud, em mim, pessoal, ressoe.

Cintra — Lx. 8–2–77
Caderno: Do ócio e meditação em Cintra


O retrato de Rimbaud oscila.
  “Uma Época no Inferno” como a minha. São a imaginação latente do Inverno
E depois “Pierrot le Fou”, de Godard: assistimos
Ao filme e é Rimbaud, a liberdade ilimitada de Rimbaud,
sofremos sismos.
E minha voz, nua, voou: é vida perene.
Ouço o violino de Paganini:
Meu desejo o ergui, e algures o perdi.
Oh luxúria de Outono omitida: nas almas já neve.
O que, de perfil, me desista, quem o escreve?
E oscila o retrato que eu hei-de destruir.
Marselha, sua morte comovida, comovente… mas chove uma chuva de fingir…

Lx. 28–8–76
“O divino imanente no humano”


O reino de Rimbaud

“Une Saison en Enfer”

Como conjugar o verbo divino e duplo com o uno,
o objecto inscrito com a mera descrição?
O livro reabre-se: é o nome nocturno de Rimbaud:
obscura habitação de beleza, sua paixão clandestina, rapto, repto.
Quem o invocou, nomeou as mãos decepadas do prazer, o uno dúplice e sua súplica.

Lx. 2–1–75
Caderno: Limae Labor


A verdade essencial da poesia radica na revelação. Aquilo que dota de mediunidade e génio a poesia de Jean-Arthur Rimbaud é a verdadeira revelação (a revelação do ser e do real) e não a trivial, a verdadeira navegação e não o porto (digamos, a morte…)…
A criação poética implica a meditação e a habitação da transcendência do autêntico acto poético, da sua interrogação imanente e da possível resposta ao real que, em Rimbaud, é intuída e lhe é revelada: não divinamente como é comum em certa poesia, mas humana, visceralmente humana, como algo de indelével.
Navegação, sim, mas nua e una, do verdadeiro devir humano enquanto desastre, erro e errância do ser assumidas, e até resumidas, que Rimbaud exemplarmente encarna.
Assim se cumpre, se exaure, com Rimbaud, a missão essencial da poesia que consiste em revelar as raízes humanas profundas, afinal o verdadeiro dom divino que aquela encerra e corresponde à ideia do mal, subjacente ao autêntico acto poético.

 Lx.ª 15/11/96
Caderno: Ser insular


Ilha de Lesbos

É sol do que sou, cativo por pensamento.
Uma nostálgica nobreza, algures pagã.
Desejo desejar o desejo do seguinte: manhã acesa
que lembro grega e lendária: Sappho
mulher cuja linhagem, linguagem poética
era transeunte, beleza ajoelhada, divina e terrestre.
Habita agora o Olimpo, linda, serena, sábia como convém
a um poeta que, despojado, habita sua ilha, toca sua harpa, mapa de ninguém.
O seu limpo pensamento, eterna adolescente, segregando desejo, segredo, semente.

Lx. 3–6–76
Caderno: O umbigo da beleza


A PESSOA

Olha Daisy, quando eu morrer
espero que partas definitivamente para o Minho.
Não vais em busca do cadinho
que o já tens, grave e lindo, aqui em Lisboa.
Olha Daisy, quando eu não morrer
em boa verdade, aconselha-te a renascer
para que contigo case,
longe vá o agoiro e a frase.

Lx. 23/10/84
Caderno: O Sul das Maravilhas


As cartas de amor são ridículas, meu velho Álvaro de Campos,
mas ridículas, dizias, eram aqueles que não escreviam singelas cartas de amor.
De amor maiúsculo pingou um pingo esfíngico e gordo. E se fôssemos,
Fernando, ao brandy imaculado da Metafísica, Pessoa sempre impessoal,
ubíqua figura.

Era a frescura de risos de raparigas lindas, límpidas, tão íntimas, eram risos
trincados de rosas sem rigor nem alma.
E há Bach, Seixas, Mozart, uma longa lista de sábios em música,
afogados no tempo; mas tu Pessoa és sempre a geométrica pessoa trágica e traída.
Esquecia-me Pessoa: ambos somos ridículos em não escrever cartas ridículas
de amor, pois é manhã marcada, e quem trabalha cedo amanhece
mas com aqueles sorrisos, risos sonâmbulos, risos trincados pelas vidas,
amargos sorrisos maculados de quem, na pele e no rosto, ínvios caminhos conhece.
Juventude, juventude ressurge, mas jaz a arte de matar-me-te, arte articulada à vida.


Belas — 26–9–76
Caderno: Fragmentos de um livro dividido (anónimo do séc. XX)

Às vezes, visito as flores malditas do meu pensamento,
e que logro: lembra Pessoa e suas personae.
Não tem fórmulas felizes, domingos banais, aliais,
mas toda a estranheza de ser pensamento.
E o pensamento, a estranheza de o ser,
de que, pranto de prata e profuso e diverso desagua,
onde o verso se diverte em as têmporas e nas cãs do poeta,
que parte, se ausenta, de sê-lo meramente. E, ao amanhecer, não tem horizonte nem meta…

Lx. 3–7–76
Caderno: Livro do amador nómada


William Turner

A caligrafia da alegria e da loucura é frágil, abençoada:
Li, algures, em um antigo manuscrito iluminado.
Então, náufrago, banhei-me ébrio no primitivo mar.
(o firmamento, o pensamento dos teus seios de mármore e marfim)
O poeta, o pintor, embriagavam-se
em breves páginas de praias, nas vagas de um espírito crepuscular
e vagabundo (vogais acesas de Primaveras, propagadas).
Teciam as estrelas intactas, cabeças de doçura e de espanto,
porventura pranto.
Turner aguardava exangue (e exemplar), nos seus quadros, a claridade opaca
da mensagem imortal da morte divina.

Lx. 11–8–73
Praia da Areia Branca — 24–8–73 …


Artaud

Artaud — meu querido mestre da loucura
inspirai-me a pobre poesia quotidiana. Acordada
quando a dor se crava na boca mais recente.
Afinal, Artaud, também sou actor desse teatro transeunte
que tanta gente tem.
Eu poiso o meu gesto na tua poesia, dantes, de amanhã
e é tão nítida, tangente a tua loucura que ali jaz, que eu enlouqueci.
Afloro a loucura e há harpas de beleza na loucura que na tua poesia li.

29/05/76  
Do caderno: O umbigo da beleza


a Ricardo Reis

Condenaram-me os deuses à lisa loucura
Terrestre. Aceita, isento, livre, a dádiva antiga e divina. Celebra
A alma incólume das odes de beleza, as árvores imemoriais da alegria.
Sê o rei de um reino povoado de puros brilhos e espelhos de inocência.

Lx.- Março de 73
Caderno: Limae Labor


No reino de Ricardo Reis
Cada instante efémero é intacto, transeunte e antigo.
A nítida ideia dos deuses emerge jovem e pagã
Como a opulenta arquitectura de um jardim
      suspenso na manhã.


a Alberto Caeiro

Sê simples e calmo como Caeiro o era
Imperturbável percorre o teu caminho como o
        dia que amanhece
E se não distingue dos dias adiados e
        extintos como da recordação dos dias que
        meramente o serão


a Ricardo Reis

No reino de Ricardo Reis
Cada instante efémero é intacto, transeunte e antigo.
A nítida ideia dos deuses emerge jovem e pagã
Como a opulenta arquitectura de um jardim
      suspenso na manhã.


Homenagem a Mário Cesariny de Vasconcelos

Assim acontecem e se tecem os algarismos da morte.
A mais marginal e biográfica.
O que recua, em o mármore da memória, é a nobilíssima visão da madrugada omnipotente.
O bastante é belo, o cerne o crânio do efémero e antiquíssimo diurno

Lx. 12-2-77
Caderno: A composição do espaço
In “A IDEIA”, n.º 81/82/83; Évora, Out. 2017, p. 65


Herberto Helder

Exactamente, um estilo[3], como diz o Herberto em este[4] estio
e em “Os Passos em Volta” que, ambos, demos, cicatrizados de abandono.
Mas amigo Herberto tu és grande, um grave fenómeno em o universo da poesia.
Eu, menor poeta escrevo que escrevo que não devia escrever, porque fábula, banquete, Outono
da infância que em mim se perfez: nudez de menino a mexer nada e exílio,
menino que interpela um deus anónimo, a própria morte, menino e sua sabedoria.

Lx. 12–8–76
Caderno: “O Reino do Rigor” ou “Reino Efémero


Posse

Hoje deixa-me inventar
O silêncio dos teus silêncios
E o prazer que escorre dos teus dedos
E as madrugadas que concebeste
Hoje deixa-me inventar
O corpo de luar que me abriste
E a pergunta dos teus medos!
Hoje deixa-me inventar o Outono do teu sorriso triste!

Lx., 27/11/964


à Ana

lugar grave em que, táctil, te inscreves,
celebrando as sombras, que, efémeras e aéreas, teces.
que praia imperfeita rasa o pranto do olhar,
na ciência divina em que te esqueces.

Setúbal-15-6-75
Caderno: Da Periferia do Corpo


“Telegrama”
(Para a Ana)

Em a manhã molhada (esparsa e cinzenta chuva…),
Que escamas de cama ausente…
Por isso, envio-te, de amor, um telegrama:
“Amo-te em o impossível amor, Stop. És um espaço volátil,
Stop. Olha Ana ou Daisy. Embarco para os Brazis, Stop.”
E em o objecto inscrito de amar, que nobreza de amor habitável.
Não sou amante mas seu vulto. E descrevo a irreversível curva dos 35 anos ou enganos…

Manoel Tavares Rodrigues-Leal

Lx. ou Cintra 12-14/02/1977
Caderno: “A composição do espaço”
Escrito aos 35 anos …


para a Maria João

Eu sei que não vieste
Na tarde circular
Amanhã quando o mar
Sorrir deitado na areia
Direi que é uma rapariga alheia
Ao amor e à rosa que vou trincar.

Lisboa — 29/01/88


para a Myrian

“Il y a toujours un peu de folie
dans l’amour. Mais il y a toujours un peu de
raison dans la folie.” — Nietzsche [inscrição no manuscrito acompanhando o poema]

De Myrian soube o curso sóbrio das consoantes do desejo. As colinas
insones de um olhar obsessivamente azul. As sílabas de neve dos habitantes
do seu país natal. O som do corpo de Myriam repousava no sangue dos longínquos
poentes pungentes da Bélgica. O mar (o de Myrian) afagava o marfim
da sua grave brancura. Com Myrian não percorri os jardins antiquíssimos do desejo.
Aves aves do desejo divinizado que seus dedos desvendavam. As narinas embriagadas
pelas breves brisas do litoral. Ó espelhos do Sul nos quais se miravam os olhares de quartzo
de Myrian. Ó quente espectáculo das pétalas do espanto. Ó crepúsculo de loucas praias
do Sul. Outono da nossa nudez nupcial.

Lx.13–7–72


para a Isabel

o que é ideia nítida, rigorosa, suspensa?
idade implícita, o meu gesto jaz…
que doce canto, cálices prenhes de desejo…
meço metal, o mármore úbere de um beijo.
que desejo geométrico. que nua estátua, cúmplice espelho…
Isabel, umbigo de beleza, meu instante distante…

Lx. 5–6–76
Caderno: O Umbigo da Beleza


Um poema inédito (2ª versão), evocando o filme “Blow-Up” (1966), de Michelangelo Antonioni.

“Blow-Up”

São os jardins primordiais e deslumbrados
E seus mitos efémeros, e as longas áleas nimbadas de buxo.
E os abraços, beijos demorados e quentes e perturbados.
E à noite, ermo o jardim, como se tecem festas, como abuso
Do areal do luar que nos ensina, amantes, amados, seu brilho profuso.
Passeemos, sob a liberdade do luar, em as áleas passeemos,
E inventemos uma nova lua – loucura de quem ama o luar, de novo passeemos.
Que linda loucura, a traçámos, porventura delicados e castos.
E quando abdico de loucura, mergulho em ígneas bocas de tempo e sua usura, saturados.


Manoel Tavares Rodrigues-Leal
Lx. 31-8-76


PENÉLOPE

PENÉLOPE fia a auréola do tempo
Adivinha a riqueza da memória
Espera a vinda de ULISSES seu amante desejado
E sob a abóbada do céu abençoado
Tece-se a noite num manto desgrenhado
PENÉLOPE nunca se foi embora
Dádiva transparente e de glória
Curvou-se docemente nos ombros da vigília do vento.

Manoel Tavares Rodrigues-Leal
In Nova Águia, nº14, 2.º semestre, 2014, pp. 265.  


(Perfil de Sophia)

reerguer o equilíbrio grego da beleza: medida
do homem e do mundo, eis a alquimia a embriaguez
de Sophia, consumida através do templo antigo do poema.

Lx. 25-1-79
Caderno: Limae Labor
Revista Nova Águia, nº17, 1º semestre, 2016, p. 225, Sintra, Zéfiro.


Sophia
Sophia de Mello Breyner Andresen
(após leitura de Dual)

imagem fugidia
que emerge da antiguidade do dia,
e morre, insone e perpendicular,
irmã da unidade e da medida do olhar.

Lx. 18-3-73
Caderno: Limae Labor


Manoel Tavares Rodrigues-Leal , (2014), 1º semestre, «(Fernando Pessoa)», Nova Águia, nº13, p. 160.  

(Fernando Pessoa)

Aqui a superfície do mar é profunda, profusa e lisa, (prateada de pranto):
Aqui irrompe a presença impessoal de Fernando Pessoa:

As escamas do mar jazem sob o brilho de luzes antiquíssimas. E o seu nome, suspenso e nomeado, ressoa.

Sesimbra, 30-6-73.
Caderno: Limae Labor (1973).

e assim nasceu. e falava. assiduamente.
era como o verão. que se abrira. recente.
como um clarão rubro de inocência. bebia
então taças tecidas de espanto. o
exílio.
iniciara-se. como uma teia. tecida lentamente. por
estranha e eterna aranha.
quando parido. por um período de vida.
fecundo. a mãe
linda. morrera ao pari-lo. que
eternidade vazia e vã. como a de
um deus. mítico ou não. que interessa isso.
para a posteridade.

Manoel Cardôzo
lxª18.07.2003
De A Duração da Eternidade
_________________

Filme documentário: "O retrato de Rimbaud oscila" ("Le portrait de Rimbaud oscille"). 

Um olhar sobre Jean-Arthur Rimbaud – por Manoel Tavares Rodrigues-Leal. 
Realização: Luís de Barreiros Tavares e Daniel Monteiro (Fevereiro - 2021). 
Este filme documentário foi realizado no âmbito da Edição “Rimbaud no poema – Manoel Tavares Rodrigues-Leal evocando e ecoando Jean-Arthur Rimbaud” na Revista Triplov (Arte, Religiões e Ciências). 
Neste tributo publicaram-se “Vinte e dois poemas, quatro prosas poéticas e três cartas de Manoel Tavares Rodrigues-Leal evocando e ecoando Jean-Arthur Rimbaud” (Junho – 2020). Agradecimentos a Maria Estela Guedes (Triplov). 
"O retrato de Rimbaud oscila" (título do filme e verso de um poema de Manoel T. R.-Leal.
https://youtu.be/186ll2laggk





Vinte e dois poemas, quatro prosas poéticas e três cartas de Manoel Tavares Rodrigues-Leal evocando e ecoando Jean-Arthur Rimbaud https://triplov.com/revistaTriplov/vinte-e-dois-poemas/

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Obs:
Pobre país este em que o apoio à produção das vacas leiteiras afectou uma verba quase gigantesca (7+4 milhões de Euros em 2016), comparada com o poucochinho – quase zero – destinado à produção literária (135.000,00 Euros para bolsas de criação literária em 2017).
Não ponho em causa as necessidades do corpo – o leite –, mas não desprezo uma das necessidades do espírito – a literatura ...